O FUNDAMENTO EDUCACIONAL PROGRESSISTA DA MAÇONARIA
É sabido que a Maçonaria é uma escola de aperfeiçoamento que tem por base um sistema moral velado por alegorias e ilustrado por símbolos.
Entre as diversas definições destaca-se a que afirma ser a Maçonaria uma instituição essencialmente iniciática, filosófica, progressista e evolucionista, cujos fins supremos são: Liberdade, Igualdade e Fraternidade.
Por sua vez, fundamento é a base, o alicerce de uma doutrina. Filosoficamente, como nos ensina o mestre Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, é aquilo sobre que se apoia quer um dado domínio do ser (e então o fundamento é garantia ou razão de ser), quer uma ordem ou um conjunto de conhecimentos (e então o fundamento é o conjunto de proposições e de ideias mais gerais ou mais simples de onde esses conhecimentos se deduzem).
Inspirado na proposta deste XXVIII Encontro de Estudos e Pesquisas Maçônicas, o presente trabalho se propõe fazer uma inserção no tema geral, "O fundamento educacional da Maçonaria", para enfatizar a necessidade de se destacar, na educação maçônica, o seu caráter progressista.
Desde que, no Século das Luzes, a Maçonaria se firmou como uma instituição humanista, baseando-se na razão, a postura não poderia ser outra a não ser adotar a visão científica para transmitir o conhecimento e preparar o iniciado para interagir com a sociedade.
O caminho foi longo para que a Maçonaria Operativa passasse pela transição até atingir as bases da Maçonaria Especulativa ou Moderna. Construir o Templo Interior, transformando o Maçom num homem livre e de bons costumes, que pugna por levantar templos à virtude, sedimentando seu comportamento de livre pensador foi uma grande conquista.
Embora alguns não concordem, a visão iluminista tem prevalecido nos ensinamentos maçônicos. As escolas de pensamento maçônico, muito bem elencadas por Charles Webster Leadebeater, apresentam uma evolução natural desde as especulações antropológica, mística e oculta, até desembocar na Escola Autêntica.
A Escola Antropológica confere um grau de muito maior antiguidade à Maçonaria do que os Autênticos. Os antropologistas reuniram uma vasta soma de informações sobre costumes religiosos e iniciáticos de muitos povos, bem como fazem analogias com os antigos Mistérios.
A Escola Mística implementa um plano para o despertar espiritual e o desenvolvimento interior do homem. Está mais interessada na interpretação do que na pesquisa histórica.
Escola Oculta busca o conhecimento do lado oculto da natureza, por meio dos poderes existentes em todos os homens. O objetivo do ocultista é a união consciente com Deus.
Abraçada pela maioria dos pesquisadores da atualidade, a Escola Autêntica tem por base os princípios científicos da História, os quais se baseiam em documentos e outras provas circunstanciadas, que buscam a verdade para acumular conhecimento e transmitir a doutrina maçônica.
Dessa forma, o fundamento educacional da Maçonaria está alicerçado na filosofia iluminista. Recorrendo à Wikipedia encontramos que "o Iluminismo foi um movimento intelectual e filosófico que dominou o mundo das ideias na Europa durante o século XVIII, o Século da Filosofia".
O Iluminismo incluiu uma série de ideias centradas na razão como a principal fonte de autoridade e legitimidade e defendia ideais como liberdade, progresso, tolerância, fraternidade, governo constitucional e separação Igreja-Estado. Na França, as doutrinas centrais dos filósofos do Iluminismo eram a liberdade individual e a tolerância religiosa em oposição a uma monarquia absoluta e aos dogmas fixos da Igreja Católica Romana. O Iluminismo foi marcado por uma ênfase no método científico e no reducionismo, juntamente com o crescente questionamento da ortodoxia religiosa.
Os historiadores franceses tradicionalmente colocam o período do Iluminismo entre 1715 (o ano em que Luís XIV morreu) e 1789 (o início da Revolução Francesa). Alguns historiadores recentes, no entanto, defendem o período da década de 1620 como o início da Revolução Científica.
David Deutsch trata o Iluminismo como o início de uma busca de conhecimento com uma tradição de crítica e procura de boas explicações, em oposição à confiança cega na autoridade. Aliás, sua obra O início do infinito tem como subtítulo Explicações que transformam o mundo. Ele atribui também à especulação a origem de todo o conhecimento. Antes de existir ciência havia regras de ouro, ou regras gerais, suposições explicativas e mitos. Assim, a crítica, a especulação e a experimentação tinham bastante matéria-prima para trabalhar.
Sábia ponderação, pois vem confirmar que a Maçonaria moderna seguiu a trilha da sabedoria ao se tornar especulativa, ou filosófica, sempre em busca do progresso.
Essa busca se traduziu em uma rebelião, e especificamente em uma rebelião contra a autoridade, no que respeita ao conhecimento.
Deutsch entende que rejeitar a autoridade "era uma condição necessária para o progresso, porque, antes do iluminismo, existia a convicção geral de que já se sabia tudo o que importava saber, e que esse conhecimento fora preservado em fontes autorizadas como os escritos antigos e os pressupostos convencionais".
Era o discurso da autoridade em detrimento da autoridade do discurso. A vitória do Iluminismo estava necessariamente em função de ultrapassar esse paradigma. O progresso dependia de perceber como rejeitar essa autoridade.
Nesse sentido, o Iluminismo foi uma revolução no modo como as pessoas buscavam conhecimento: tentando não confiar na autoridade. Foi esse o contexto no qual o empirismo – propondo confiar unicamente nos sentidos para atingir o conhecimento – assumiu um papel histórico tão salutar, não obstante ser fundamentalmente falso e mesmo autoritário na concepção do modo como funciona a ciência.
Muitos insistem em ver na expressão progressista, inserida na definição da Maçonaria, um viés ideológico. Na verdade, o princípio progressista está vinculado a práxis maçônica da busca da evolução da sociedade por intermédio da razão, isto é, da ciência.
Quando a Maçonaria se distancia dessa proposição, em suas práticas e programas educacionais, abre espaço para críticas em face de estar se desviando dos objetivos traçados em sua doutrina.
Em seu livro A mitologia das sociedades secretas, John Morris Roberts reconhece a Maçonaria como a mais importante dessas sociedades. Assinala que, pela afirmação persistente da antiguidade de sua origem, são um produto do início da era moderna e os relatos tradicionais de sua gênese foram fixados pela primeira vez nas primeiras décadas do século XVIII, portanto no Iluminismo.
Não obstante o reconhecimento da importância da Maçonaria, J. M. Roberts faz severas críticas à Ordem quando diz que:
"Precisamos apenas ressaltar, em primeiro lugar, que existe um núcleo substancial de lendas e tradições sem fundamento comum a todos esses relatos: a maioria das lendas atribui um significado crucial ao trabalho de Hiram, o Mestre maçom do Templo de Salomão, assassinado por não revelar os segredos maçônicos.
...
A segunda coisa a notar sobre as lendas é que, como os historiadores maçônicos modernos admitem, é quase tudo uma bobagem completa, algaravia incoerente a que os maçons modernos só veneram ou defendem da boca para fora, porque é tradicional à Arte".
A Maçonaria contemporânea precisa reagir a estereótipos como esse. Há necessidade do incentivo à pesquisa histórica. As instruções, cursos, seminários e encontros da cultura e educação maçônicas devem ser precedidos de planejamentos centrados em princípios da metodologia científica. Especialmente a Educação Maçônica não pode desprezar a didática quando planeja seus conteúdos programáticos.
Deve-se ter em mente que progressista é aquela instituição ou pessoa favorável ao progresso, às transformações ou às reformas, especialmente nos campos político, social e/ou econômico. Na visão iluminista, ser progressista é defender a prevalência da ciência e do indivíduo. Nesse contexto, podemos incluir o Maçom como homem livre e de bons costumes, livre-pensador em busca da verdade. Disposto a transformar-se interiormente para depois, estando pronto, transformar a sociedade.
É necessário saber distinguir a ideia de progresso, fruto do iluminismo, do progressismo, termo apropriado pela corrente anti-iluminista que tomou vigor a partir do início dos anos 1970 de século passado disseminado nos discursos ideológicos, tendo bastante influência na educação brasileira.
Desse ponto de vista, a ideologia está em desacordo com o Iluminismo, preferindo vincular-se ao socialismo e ao comunismo. Os anti-iluministas são pessimistas com relação ao progresso.
Steven Pinker, psicólogo e linguista canadense naturalizado norte-americano, refuta esse pensamento, afirmando que a "avaliação desoladora do estado do mundo é errada. E não apenas um pouco errada: erradíssima, espetacularmente errada, mais errada impossível".
Numa crítica aos intelectuais que abraçaram o contrailuminismo, Pinker afirma que eles odeiam o progresso. Um dos capítulos de sua obra O novo iluminismo recebe o título Progressofobia.
Pinker defende que os ideais do Iluminismo são atemporais e nunca foram mais relevantes do que agora. Eles têm como alicerce a razão, a ciência, o humanismo e o progresso.
Voltando a David Deustsch, ele entende que "um progresso, simultaneamente rápido para ser notado e suficientemente estável para perdurar por muitas gerações foi alcançado apenas uma vez na história da nossa espécie. Começou aproximadamente na época da revolução científica e prossegue ainda o seu caminho".
Vale ressaltar que a revolução científica foi parte de uma revolução intelectual mais abrangente, o iluminismo, que trouxe avanços noutras áreas, especialmente na filosofia moral e política e nas instituições da sociedade, aí incluída a Maçonaria.
Coerente com trabalho escrito em 2013, sob o título A práxis maçônica num mundo de ponta-cabeça, reitera-se aqui que a reformulação da metodologia para a formação de seus Obreiros constitui-se em princípio basilar que contribuirá sobremaneira para a construção de um edifício cultural, moral e ético mais consolidado e compatível com o mundo contemporâneo do que a prática obsoleta de deixar por conta do autodidatismo e de instruções exclusivamente simbólicas e ritualísticas que são repetidas cansativamente nas Lojas Maçônicas.
No Grande Oriente do Distrito Federal (GODF), a educação maçônica se transformou no Projeto nº 1 do Plano de Ação e Metas da administração 2019-2023. O Curso Básico de Formação Maçônica do GODF teve seus conteúdos aperfeiçoados. Foram investidos recursos em tecnologia, que permitiram o acesso à distância do corpo discente. Novas possibilidades de participação foram incluídas, permitindo a interação entre os participantes e discussões num ambiente de crítica construtiva e de aperfeiçoamento das ideias.
Inicialmente, referidos projetos foram apresentados como proposta, havendo sido publicados na Revista Entre Colunas em 2018. No início da administração 2019-2023, tais projetos foram consolidados no Plano de Ação e Metas 2019-2023, sendo implementados até o presente.
Há a necessidade de avançar mais. É imprescindível dar um salto de qualidade, considerar as ideias de um novo iluminismo, proposto por Steven Pinker, adotando didáticas construtivistas e contextualizando os ensinamentos maçônicos, valendo-se da sabedoria tradicional e esforçando-se para traduzir essa sabedoria em linguagem que seja atrativa para as mentes que anseiam uma renovação nos programas e projetos planejados para os dias de hoje.
Vale a pena olhar para o futuro, sem desprezar os ensinamentos do passado. Mas há que se adotar novas práticas na educação maçônica.
Uma visão consciente é apresentada pelo historiador israelense Yuval Noah Harari. Após encantar o mundo acadêmico com os magníficos Sapiens – Uma breve história da humanidade e Homo Deus – Uma breve história do amanhã, ele apresenta 21 lições para o século 21.
Nessa obra, ele transita por temas instigantes, tais como: o desafia tecnológico; o desafio político; desespero e esperança; verdade; e resiliência.
Relativamente à educação, Harari afirma que a mudança é a única constante. Faz uma reflexão, reconhecendo que "o gênero humano está enfrentando revoluções sem precedentes, todas as nossas narrativas estão ruindo e nenhuma narrativa nova surgiu até agora para substituí-las".
Na esteira de sua análise, constata que "atualmente, é enorme a quantidade de escolas que se concentram em abarrotar os estudantes de informação. No passado isso faria sentido, porque a informação era escassa, e mesmo o lento gotejar da informação existente era repetidamente bloqueado pela censura".
Observa, ainda, que em pleno século XXI "estamos inundados por enormes quantidades de informação, e nem mesmo os censores tentam bloqueá-la".
"Num mundo assim - conclui Harari -, a última coisa que um professor precisa dar a seus alunos é informação. Eles já têm informação demais. Em vez disso, as pessoas precisam de capacidade para extrair um sentido da informação, perceber a diferença entre o que é importante e o que não é, e acima de tudo combinar os muitos fragmentos de informação num amplo quadro do mundo".
A educação maçônica não é diferente. Se assemelha ao ideal da educação liberal ocidental que vem sendo aplicado durante séculos. É preciso ter coragem para mudar.
Novos paradigmas estão à disposição. Os ensinamentos contidos nas obras de Ichiro Kishimi e Fumitake Koga, sob os títulos A coragem de não agradar e a Coragem de ser feliz incentivam tais mudanças.
Kishimi e Koga são filósofos que desenvolvem narrativas em busca da coragem que precisamos para uma vida plena – na primeira obra citada – e como superar suas limitações e se tornar a pessoa que deseja - na segunda.
Fazendo uma analogia com a doutrina maçônica, pode-se buscar essa mudança para atingir o objetivo maior da Maçonaria, que é tornar feliz a humanidade. A educação maçônica pode contribuir para se atingir esse fim.
E o conselho de Harari: dedicar-se a uma educação que privilegie o pensamento crítico, a comunicação, a colaboração e a criatividade. Finaliza sua lição externando um pensamento socrático, afirmando "que para ser bem-sucedido numa tarefa tão intimidadora, você terá que trabalhar muito duro para conhecer melhor seu sistema operacional. Para saber quem você é, e o que deseja na vida. Este é o mais antigo conselho registrado: conheça a si mesmo".
Conhecendo-se e mudando a si mesmo o educador Mestre Maçom estará preparado para transmitir conhecimento e incentivar que os Irmãos Aprendizes sigam o mesmo caminho e quiçá consigam transformar a sociedade em um mundo melhor.
Reginaldo Gusmão de Albuquerque, MI, 33º, Grão-Mestre do Grande Oriente do Distrito Federal e Membro ativo da A.R.L.S. Antônio Francisco Lisboa nº 3.793 – GODF/GOB
BIBLIOGRAFIA
ALBUQUERQUE, Reginaldo Gusmão de. A práxis maçônica num mundo de ponta-cabeça: uma proposta ética, in: Revista Universo Maçônico, Ano VII, nº 25. São Paulo: Novo Horizonte, 2013.
ALBUQUERQUE, Reginaldo Gusmão de. Construindo o futuro, in: Revista Entre Colunas, Ano VI, Edição XXIV. Brasília: FM Editora, 2018.
DEUTSCH, David. O início do infinito – Explicações que transformam o mundo. Lisboa: Gradiva, 2013.
GRANDE LOJA MAÇÔNICA DE BRASÍLIA. Rituais de Aprendiz Maçom, Companheiro Maçom e Mestre Maçom. Brasília: GLMB, 1996.
GRANDE ORIENTE DO BRASIL. Constituição do Grande Oriente do Brasil. Brasília, 2009.
GRANDE ORIENTE DO BRASIL. Ritual 1º Grau – Aprendiz-Maçom, Rito Escocês Antigo e Aceito. Brasília, 2009.
HARARI, Yuval Noah. 21 lições para o século 21. São Paulo: Companhia das Letras, 2018.
HARARI, Yuval Noah. Sapiens – Uma breve história da humanidade. Porto Alegre: L&PM, 2017.
HARARI, Yuval Noah. Homo Deus – Uma breve história do amanhã. São Paulo: Companhia das Letras, 2016.
HILL, Christopher. O Mundo de Ponta-Cabeça: Ideias radicais durante a Revolução Inglesa de 1640. São Paulo: Companhia das Letras, 1977.
KISHIMI, Ichiro e KOGA, Fumitake. A coragem de não agradar. Rio de Janeiro: Sextante, 2018.
______ A coragem de ser feliz. Rio de Janeiro: Sextante, 2020.
LEADBEATER, C. W. Pequena história da maçonaria. São Paulo: Editora Pensamento, 1997.
PINKER, Steven. O novo iluminismo: em defesa da razão, da ciência e do humanismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2018.
ROBERTS, J. M. A mitologia das sociedades secretas. São Paulo: Madras, 2012.