FRÉDÉRIC BASTIAT, UM VISIONÁRIO DO LIBERALISMO
Raul Sturari(*)
A gĂȘnese da história do liberalismo estĂĄ intimamente ligada ao inglĂȘs John Locke (1632 – 1704), como um dos principais teóricos do contrato social e autor do "Ensaio Acerca do Entendimento Humano". Suas teses influenciaram decisivamente a Revolução Inglesa do Século XVII, a IndependĂȘncia Norte-Americana de 1776 e a primeira fase da Revolução Francesa de 1789. Esse filósofo fundamentava suas ideias na noção de governo consentido (pelos governados) e na autoridade constituĂda, desde que respeitasse os "direitos naturais" de todo ser humano: o direito à vida; o direito à liberdade; e o direito à propriedade.
Mesmo considerando que hĂĄ muitas interpretações sobre rótulos polĂtico-ideológicos disseminados por todo o planeta, o liberalismo pode ser caracterizado pela igualdade perante lei, por um governo limitado às principais funções inerentes, pelo respeito aos direitos individuais — incluindo direitos civis e direitos humanos — livre mercado, democracia, igualdade de gĂȘnero, igualdade racial, liberdade de expressão, liberdade de imprensa e liberdade religiosa
Quase um século e meio depois da morte de John Locke, o francĂȘs Frédéric Bastiat (1801 – 1850) publica uma verdadeira obra prima que não só estĂĄ longe de ser relegada às estantes de história como se revela cada dia mais atual, inclusive em face da conjuntura brasileira. No livro denominado A Lei, ele também se baseia nos mesmos direitos naturais identificados por Locke: vida, liberdade e propriedade, ao tempo em que enfatiza que, para proteger esses direitos, todo homem tem direito de se proteger de quem os ameaça, isto é, à legĂtima defesa.
Para Bastiat, a Ășnica lei é fazer com que reine a justiça, ou melhor, impedir que reine a injustiça. Quando a lei extrapola essas funções, ocorre opressão ou espoliação "legal" que, segundo do dicionĂĄrio Houaiss, é o "ato de privar alguém de algo que lhe pertence ou a que tem direito por meio de fraude ou violĂȘncia". Quando a lei começa a ser usada como instrumento de espoliação, a atividade legislativa se torna uma disputa entre vĂĄrios grupos para se apoderar dela e espoliar os outros. Nesse caso, a liberdade é ferida, a prosperidade é impedida e a estabilidade polĂtica é impossĂvel. O filósofo considera também que a liberdade só é efetiva quando é negativa, isto é, quando é ausĂȘncia de coerção e obstĂĄculo. A lei correta não dĂĄ nada ninguém, apenas impede que algo seja tirado de alguém.
Embora Bastiat tenha sido contemporâneo de Karl Marx, parece que não houve influĂȘncias diretas entre eles. O alemão publicou o panfleto Manifesto Comunista em 1848 e O Capital em trĂȘs volumes, entre 1967 e 1883. O socialismo e o comunismo — responsĂĄveis pela morte de mais de 100 milhões de pessoas, em todo o mundo, no Século XX — mal estavam delineados na época em que Frédéric Bastiat escreveu A Lei, publicado no mesmo ano de sua morte, em 1850.
Todavia, impressiona ao leitor atento como Bastiat jĂĄ investia contra os socialistas, prevendo todo o mal que viriam a causar. O mesmo tempo, anteviu o sucesso dos Estados Unidos da América e apontou que as prĂĄticas da escravidão e do protecionismo alfandegĂĄrio poderiam ser devastadoras, o que se comprovou absolutamente certo com a Guerra da Secessão (1861 – 1865).
Passadas 17 décadas depois da publicação de A Lei, é obrigatório asseverar que os paĂses que se tornaram ricos foram aqueles que mais apostaram na liberdade tal como descrita por Bastiat, enquanto o socialismo fracassou e continua fracassando em todo o mundo, provando que o autor estava certo em um grau muito maior do que poderia imaginar. No entanto, a legislação em vigor hoje em paĂses supostamente democrĂĄticos, como o Brasil, seria descrita pelo filósofo francĂȘs como socialista, como um sistema de espoliação organizado e muito mais amplo do que poderia imaginar em suas anĂĄlises.
Uma leitura de A Lei vis-à-vis a conjuntura atual brasileira explica porque nosso PaĂs não consegue resgatar grande de seus cidadãos do subdesenvolvimento: nossa constituição garante os mais diversos "direitos", todos a serem concedidos pelo Estado; os governos (federal, estaduais e municipais) estão presentes em todos os aspectos da vida econômica e privada, regulando até mesmo se o restaurante pode colocar o saleiro à mesa ou não; abrir uma empresa exige enfrentar uma burocracia sem paralelo no mundo desenvolvido; nossa legislação trabalhista, na ânsia de proporcionar direitos ao empregado, termina por causar enorme desemprego e muita informalidade; nossa legislação tributĂĄria é tão complexa que nem os especialistas a dominam; nosso governo é dono de centenas de empresas e dispõe de mais cargos comissionados que qualquer paĂs da OCDE.
Hoje, os liberais brasileiros mais autĂȘnticos estão umbilicalmente ligados aos pensadores da Escola AustrĂaca e da Escola de Chicago. A primeira é representada por autores consagrados como Ludwig von Mises (1881-1973) e Frederich Hayek (1899-1992) — este ganhador do prĂȘmio Nobel de Economia de 1974. Para a Escola de Chicago, as principais referĂȘncias são George Stigler (1911-1991) e Milton Friedman (1912-2006), ambos laureados com o PrĂȘmio Nobel de Economia.
Contudo, não é exagero afirmar que grande parte dos paĂses desenvolvidos estĂĄ impregnada do mais perverso socialismo, disfarçado de democracia, num processo que James Burnham, em 1964, e Jonah Goldberg, em 2018, denominaram de "O SuicĂdio do Ocidente".
Estou convicto que a maioria da população brasileira é conservadora e liberal, mesmo que não admita e mesmo que não saiba exatamente o que esses rótulos significam. E é extremamente preocupante que essa maioria esteja sendo subjugada por uma minoria totalitĂĄria de esquerda, que é mais organizada e apoiada por significativa parcela de seus congĂȘneres estrangeiros, hoje disseminados por estruturas estatais e organismos internacionais.
Mas a clarividĂȘncia, o pragmatismo e a objetividade das teses de Frédéric Bastiat precedem as ideias desses autores e fazem de A Lei um livro obrigatório para todos os que pretendem entender quais são os melhores — senão os Ășnicos — caminhos para alcançar o desenvolvimento socioeconômico sustentĂĄvel.
(*) SecretĂĄrio de Relações Institucionais do Grande Oriente do Distrito Federal, diretor executivo do Egrégora e membro da Comissão de Estudos Estratégicos do Grande Oriente do Brasil (CEE-GOB).
Fonte: Loja Miguel Archanjo Tolosa