Revisitando Gramsci: a escola que conforma
Egrégora já abordou o pensamento de Gramsci em sua edição 66 (Nov/2014). Veja em edições anteriores, neste mesmo site.
Egrégora, em sua edição de novembro/2014, estampou na capa "A doutrina de Gramsci chega ao Brasil às escondidas" e "A estratégia da revolução passiva e o gramscismo como ameaça ao nosso modo de pensar!". (ver em Edições Anteriores, neste site). De lá para cá, quase 10 anos se passaram. Egrégora retoma a análise da concepção revolucionária de Gramsci, sempre com objetivo de que o melhor antídoto contra a perda de nossos valores fundamentais é conhecer o pensamento de Gramsci e suas ideias. Egrégora, em sua edição de novembro/2014, estampou na capa "A doutrina de Gramsci chega ao Brasil às escondidas" e "A estratégia da revolução passiva e o gramscismo como ameaça ao nosso modo de pensar!". (ver em Edições Anteriores, neste site). De lá para cá, quase 10 anos se passaram. Egrégora retoma a análise da concepção revolucionária de Gramsci, sempre com objetivo de que o melhor antídoto contra a perda de nossos valores fundamentais é conhecer o pensamento de Gramsci e suas ideias. |
O pensamento de Gramsci permanece como uma concepção de introduzir mudanças na sociedade brasileira de modo sutil, quebrando fundamentos políticos e direcionando princípios éticos e morais ao socialismo.
A obra denominada da "Tentativa de mutação no Brasil (1988-2016): a estratégia gramscista e seus desdobramentos", descreve a importância da teoria de Antonio Gramsci e sua influência na política brasileira, principalmente para a política educacional, explicando como alguns mecanismos legais podem ter sido responsáveis pelo processo de mutação da sociedade, com destaque a questões de gestão pública |
Recordando
Antonio Gramsci (1891-1937), filósofo, jornalista e socialista, foi um dos fundadores do Partido Comunista Italiano. Pensador inspirado no marxismo-leninismo, elaborou teoria política alterando conceitos básicos de Marx e Lenin , porém, mantendo seus objetivos fundamentais de implantação do socialismo e do fim do Estado.
Karl Marx (1818-1883), filósofo alemão, elaborador do comunismo como doutrina social, política e econômica. Vladimir Ilitch Ulianov (1879-1924), político russo, desenvolveu a teoria e a prática revolucionária do marxismo. |
Gramsci viveu na Itália, nos tempos de Benito Mussolini, o líder do fascismo italiano e quem governou ditatorialmente a Itália entre 1922 e 1943.
Em 1924, foi eleito deputado pelo Partido Comunista Italiano e, em 1926, como consequência das medidas de exceção adotadas pelo regime fascista, Gramsci foi preso e, posteriormente, condenado a 20 anos de reclusão. Em liberdade condicional, Gramsci faleceu em1937.
Durante o período prisional, Gramsci escrevia textos em cadernos, onde mesclava história, filosofia, educação, teoria política, etc. Ao final da II Guerra Mundial, seus escritos foram agrupados por edições temáticas, recebendo os títulos relacionados às mesmas. Na edição brasileira pesquisada, por exemplo, fazem parte da obra de Gramsci títulos como: Introdução ao estudo da filosofia e a filosofia de Benedetto Croce (Volume 1); Os Intelectuais, o princípio educativo e o jornalismo (Volume 2); Maquiavel, notas sobre o Estado e a política (Volume 3); Temas de cultura, ação política, americanismo e fordismo (Volume 4), Il risorgimento Italiano e para uma história das classes subalternas (Volume 5); Literatura, folclore, gramática, apêndices, índices e variantes (Volume 6).
Os seis volumes de Cadernos do Cárcere foram integralmente publicados pela Editora Civilização Brasileira, a partir de 1999. Imagem ilustrativa das capas dos vol 5, 4 e 2
Acervo do autor |
Os textos dos Cadernos do Cárcere são, muitas vezes, comparados às peças de um quebra-cabeças, tal a diversidade de conteúdo e de temas abordados.
É sobre o pensamento de Gramsci, em sua vertente política manifestada nos Cadernos do Cárcere, que reside a estratégia da ação revolucionária.
Neste artigo, serão abordados, sinteticamente, aspectos relativos à função desempenhada pela educação na estratégia desenvolvida por A. Gramsci.
Gramsci e a Escola
A grande novidade apresentada por Gramsci, ao desenvolver sua teoria, particularmente o conceito de sociedade civil, é a de conferir um destaque à cultura que esta jamais teve no pensamento socialista. É por isso que, apesar de não ser pedagogo, considerava a escola de extrema importância para a organização cultural dos trabalhadores.
Em alguns textos, Gramsci aborda a educação dos jovens e o tipo de escolas. Em outros, examina, especificamente, a instituição escolar. A edição temática dos Cadernos do Cárcere reuniu textos que tratam da organização da escola e da cultura em dois volumes distintos intitulados: "Os intelectuais e o princípio educativo"; e "Temas da Cultura".
As reflexões de Gramsci sinalizam para o caráter revisionista do papel do educador que, de mero executor das propostas educacionais, transforma-se num agente político, estabelecendo uma nova relação entre escola e sociedade. No seu entender, a educação, a escola e o educador constituem importantes ferramentas para o ideal de ascensão das classes subalternas.
Assim, estariam em movimento na conquista de posições no seio da sociedade civil. Buscariam, com o conformismo educacional, a destruição de valores culturais tradicionais e a implantação e "aceitação" de novas ideias, tudo validado pelos intelectuais ligados à área educacional.
Gramsci induz que as modificações nos modos de pensar, nas crenças e nas opiniões não ocorrem mediante "explosões" rápidas e simultâneas, mas sim, que as transformações culturais são lentas e graduais. Tal concepção será fundamental para o desencadear do processo revolucionário gramsciano.
Em alguns textos, Gramsci aborda a educação dos jovens e o tipo de escolas. Em outros, Gramsci examina, especificamente, a instituição escolar. A edição temática de os "Cadernos do Cárcere" reuniu os textos que tratam da organização da escola e da cultura em dois volumes distintos intitulados: Os intelectuais e o princípio educativo e Temas da Cultura.
A escola que conforma
Escola é, sim, tema polêmico e apaixonante! Nela nos formamos, nossos filhos se formaram e nossos netos se formarão. No caso desta matéria ela, a escola, é como a ferramenta fundamental, a semente geradora.
Gramsci pensa a escola como instrumento base de sua concepção revolucionária. Uma escola que forma, que trabalha as mentes de intelectuais formados, e opiniões "conformadas"!
O processo de mudança não utiliza armas nem violência. É sutil. Ocorre no campo das ideias, no intelecto humano.
O título é isso mesmo, mescla de causa e consequência. Na escola forma, as ideias são formatadas nem se sabe como surgiram,
Formar e conformar, assim é o objetivo. Aceitar com resignação, resignar-se; acomodar-se, condescender, neutralizar a percepção, pregar a acomodação, conciliar, mudar conforme algo, submeter-se a alguma coisa sem se revoltar com ela.
No cenário revolucionário concebido, novas mudanças são propostas por "educadores", mentes são "trabalhadas" desde cedo em aceitar "inovadoras" ideias, seja no campo social, seja na esfera política, em nome de "normalidade" e da "passividade".
Gramsci considera, ainda, que é necessário obter uma certa espécie de "conformismo" e que a aprendizagem ocorra sob a supervisão do professor como um "guia amigável" em busca da maturidade intelectual que permitirá chegar às novas verdades.
Para Gramsci, o advento da escola unitária significa o início de novas relações entre trabalho intelectual e trabalho industrial não apenas na escola, mas em toda a vida social. O princípio unitário, por isso, irá se refletir em todos os organismos de cultura, transformando-os e emprestando-lhes novos conteúdos.
As reflexões de Gramsci sinalizam para o caráter revisionista do papel do educador que, de mero executor das propostas educacionais transforma-se num agente político e estabelece uma nova relação entre escola e sociedade. No entender de Gramsci, a educação, a escola e o educador, constituem importantes ferramentas para sua concepção revolucionária, lenta e gradual, mas eficiente e constante.
O caso de Niara em escola do DF: o espírito de Robin Hood!
Em meados de 2022, numa escola pública do Distrito Federal, foi distribuída aos alunos a cartilha Niara – "Tributar Super Ricos".
O fato foi noticiado (https://www.metropoles.com/distrito-federal/veja-conteudo-de-livro-que-ataca-super-ricos-e-causou-discordia-no-df) e teve repercussão a partir da reclamação da mãe de um aluno, em carta dirigida ao diretor da referida Escola.
Imagem do site que edita personagem Niara Disponível em https://ijf.org.br/tributar-os-super-ricos// e em https://ijf.org.br/temas-tributarios-em-quadrinhos-sao-disponibilizados-para-uso-pedagogico/ |
A série de histórias em quadrinhos de uma personagem chamada Niara.
Niara é uma personagem infantil e trata assuntos de maneira bem lúdica. O trabalho é atrativo às crianças. Aborda temas como cobrança de impostos no Brasil, críticas ao racismo, ditadura, entre outros. Tudo é intitulado como material "didático" e de conteúdo "pedagógico"
Pequenos textos acompanham as imagens e dão vida às mensagens.
Estampa num dos livros que utiliza a personagem Niara Disponível em https://ijf.org.br/temas-tributarios-em-quadrinhos-sao-disponibilizados-para-uso-pedagogico/ |
O caso Niara provoca vários questionamentos: uso da escola como ambiente de assunto político, a questão ética do "espírito de Robin Hood", dados estatísticos distorcidos, controle do material didático usado nas escolas, etc.
Houve apuração do caso pela direção da escola e a Secretaria de Educação também se posicionou a respeito do cumprimento do Regimento da Rede Pública de Ensino:
O Regimento Rede Pública de Ensino do Distrito Federal, em seu artigo 304 estabelece como "vedado ao professor": I – envolver o nome da unidade escolar em manifestações estranhas às suas finalidades educativas; II – ferir a suscetibilidade dos estudantes no que diz respeito às convicções políticas, religiosas, etnia, condição intelectual, social, assim como no emprego de apelidos e/ou qualificações pejorativas; III – fazer apologia à política partidária no interior da unidade escolar." |
O caso Niara sob o enfoque da concepção de Gramsci
No desfecho do caso, parece que o(a) professor deu as devidas explicações, bem como a escola e a Secretaria de Educação.
A mãe que escreveu carta à direção mostrou estar atenta ao que é ensinado na escola.
Mesmo que tudo tenha sido esclarecido e até que não tenha havido clara intenção de doutrinação política, constata-se que se trata de um claro exemplo do uso da escola para instrumentalizar ideias gramscistas, tidas como "inovadoras" e visando "justiça social".
Desde as primeiras séries do ensino fundamental, crianças estariam sendo impregnadas de falsas ideias e de conceitos dúbios e irreais.
Estampa num dos livros que utiliza a personagem Niara Disponível em https://ijf.org.br/temas-tributarios-em-quadrinhos-sao-disponibilizados-para-uso-pedagogico/ |
Em síntese, o caso Niara pode ser visualizado no âmbito dos exemplos de conceitos modificados ou da superação do senso comum, de acordo com o pensamento gramsciano, que, atualmente, são objetos de propaganda e de ampla divulgação, aos quais as pessoas acabam por "simpatizar" e "aderir". Exemplos:
- a crença de que o socialismo é sinônimo de maior justiça social;
- a pregação de que a globalização é instrumento criado pelos países ricos para a exploração e domínio dos pobres;
- a ideia de cidadania coletiva ou de uma sociedade civil organizada, ambas clamando por direitos sociais;
- o descrédito na história do País, como estando a serviço das classes dominantes;
- a caracterização da sociedade brasileira como preconceituosa e racista;
- a propagação dos conceitos de liberação sexual, descrença no casamento duradouro e degradação do conceito de família;
- intensa abordagem de que o Brasil precisa ser radicalmente mudado e passado a limpo.
Conhecer as concepções de Gramsci significa, portanto, o melhor antídoto contra a imposição de um retrógrado socialismo no século XXI.
Observação
Nosso papel pessoal, e o de Egrégora em particular, consiste em mantermos alertas e alarmes! Pontos de vista e entendimentos de várias matizes, particularmente em escolas, aparentemente inócuos, na verdade, contém sementes que levam à "escravidão" mental, ao atrelamento de certos novos conceitos que vão, aos poucos, impregnando a aceitabilidade de inovadores valores pelas crianças e adolescentes, como se fossem coisas inócuas.
Homero José Zanotta Vieira
Mestre Maçom e integrante do corpo editorial de Egrégora
Referências
COUTINHO, Sergio Augusto de Avellar. A revolução gramsciana no ocidente. Rio de Janeiro. Estandarte E.C., 2002.
Liguori, Guido e Voza, Pasquale (Org.). Dicionário Gramsciano 1926-1937. Ed Boitempo, SP. 2017.
GRAMSCI, Antonio. Cadernos do Cárcere – Volumes I, II, III, IV, V e VI. Editora Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 1999;
Pedroso, Claudio Ribeiro; Oliveira, Mario Luiz de; Veppo, Victor Hugo. Tentativa de mutação no Brasil (1988-2016): a estratégia gramscista e seus desdobramentos. Burgardt. 1 ed. Jundiaí, SP. PACO, 2021. 188 p.
SECCO, Lincoln. Gramsci e o Brasil: recepção e difusão de suas ideias. São Paulo: Cortez, 2002.
SOARES, Rosemary Dore. Gramsci, o Estado e a escola. Ijuí: Ed. da UNIJUÍ, 2000.