LIBERAIS, CONSERVADORES E MAÇONS: TRÍPLICE CONVERGÊNCIA
Tratar de conceitos relacionados a correntes de pensamento, nos dias atuais, pode gerar sensíveis polêmicas, no âmbito maçônico. Todavia, é também um dever inerente a todos os obreiros estudar, internalizar, praticar e defender os princípios da Ordem Maçônica, expressos e consolidados na Constituição do Grande Oriente do Brasil. É com base nesse dever — mais do que um direito — que o presente artigo defende a ideia de que há uma saudável e tríplice convergência entre maçons, liberais e conservadores.
Uma considerável corrente de filósofos e estudiosos afirma, equivocadamente, que há uma clara divergência entre conservadores e liberais e, por isso, suas posições são inconciliáveis. Isso se dá principalmente por três motivos. O primeiro refere-se aos diferentes significados atribuídos a essas expressões ao longo da História, pelo menos até o Século XIX, que pouco têm a ver com o sentido que possuem na atualidade. Outro importante motivo para esse equívoco deve-se a determinados autores icônicos das teorias liberais que rejeitavam o conservadorismo, a exemplo de Friedrich Hayek (1899-1992), que publicou o texto "Porque eu não sou um conservador", argumentando: que eles têm receio de mudanças e querem manter tudo como está; que têm paixão pela autoridade; que não compreendem as forças econômicas; e que hostilizam o internacionalismo, por serem excessivamente nacionalistas. Finalmente, os equivocados analistas focam seus estudos somente nos rótulos atualmente em voga nos Estados Unidos da América (EUA), onde "liberais" são os defensores do Partido Democrata, de esquerda, e "conservadores" são do Partido Republicano, de direita. No resto do mundo, o que se entende por "liberal" é muito diferente da esquerda norte-americana.
No Brasil, não se deve relacionar os entendimentos atuais sobre conservadores e liberais com os partidos Conservador e Liberal que dominavam a cena política durante o Segundo Reinado, no Século XIX. Em linhas gerais, os primeiros defendiam um governo central mais forte e seus adversários mais autonomia para as províncias. Hoje, os liberais brasileiros mais autênticos estão umbilicalmente ligados aos pensadores da Escola Austríaca e da Escola de Chicago. A primeira é representada por autores consagrados como Ludwig von Mises (1881-1973) e Frederich Hayek (1899-1992) — este ganhador do prêmio Nobel de Economia de 1974. Para a Escola de Chicago, as principais referências são George Stigler (1911-1991) e Milton Friedman (1912-2006), ambos laureados com o Prêmio Nobel de Economia. Suas teorias econômicas influenciaram o Chile, na década 1970, e os governos de Margaret Thatcher, na Inglaterra, e de Ronald Reagan, nos Estados Unidos, na década seguinte, com impactantes sucessos.
Vale acrescentar que praticamente todas as críticas que levaram Hayek a afirmar que não era um conservador, compreensíveis em meados do século passado, hoje não fazem mais sentido, seja pelos exemplos marcantes de Ronald Reagan e Margaret Thatcher, seja pelos exemplos de líderes de países do Leste Europeu, como a Estônia e a Irlanda, que abandonaram as práticas socialistas. Esses conservadores lutam pela liberdade econômica, pelo comércio internacional e pelo cosmopolitismo, tendo contribuído para mudar profundamente o modelo socialista — estatizante e imobilista — de seus países.
Outro equívoco a ser esclarecido é sobre o caráter antirreligioso dos liberais, defendendo Estado laico. Como nos ensina o articulista português Rui Albuquerque,
Nos seus fundamentos teóricos, o liberalismo não é, de modo algum, anticlerical. Pelo contrário, Alexis de Tocqueville, um liberal inquestionável, defendeu, no A Democracia na América, que o espírito da liberdade que emergia nesse novo país, resultava essencialmente da tolerância religiosa, da total liberdade de culto e do pluralismo e da concorrência existente entre as várias confissões religiosas, ao contrário do que ainda então acontecia na maior parte dos países europeus. Religião e liberdade, neste ponto de vista, não só não se opõem como inclusivamente se pressupõem e dependem uma da outra[i]. [i] Disponível em https://observador.pt/opiniao/liberais-e-conservadores/?cache_bust=1666273022909#. Consulta realizada em 24/10/2022. |
Ser conservador hoje, no Brasil, significa defender uma filosofia a favor da manutenção daquilo que dá efetivo vigor às instituições sociais tradicionais, transmitindo a cada geração o que há de melhor em termos de contributo humano, no contexto da cultura e da civilização. Isso não significa, de modo algum, ser contrário ao progresso. O contínuo desenvolvimento e as constantes mudanças são necessários e saudáveis, mas a progressiva complexidade conjuntural exige que essas mudanças sejam prudentes e graduais. Vale dizer que, em uma sociedade dinâmica, a permanência e a evolução são reconhecidas e reconciliadas. A seguir, serão apresentados alguns fundamentos que aproximam liberais e conservadores brasileiros, em oposição a socialistas, marxistas, comunistas e progressistas, nesta terceira década do Século XXI.
· Defesa primordial da liberdade e da ordem, com destaques para a liberdade política e econômica e a ordem social e moral.
· Garantia intransigente da propriedade privada e dos meios produtivos como essenciais para a liberdade, para o estímulo à produção e para o desenvolvimento socioeconômico e cultural.
· Resoluto respeito aos direitos individuais.
· Direito à soberania das Nações contra qualquer interferência externa ou interna que possa ameaçar o direito à vida e à liberdade, bem como o estado democrático de direito.
· Patriotismo — sentimento que caracteriza a força propulsora de uma Nação, seus valores, sua cultura e suas tradições.
· Fortalecimento da estrutura natural da família, primeira e principal instituição humana.
· Pluralidade religiosa e absoluto respeito à liberdade de crença.
· Direito à vida, desde sua concepção.
· Contra os vícios, como as drogas, causadores de dependência e vulnerabilidade.
· A Assistência Social deve ser assegurada pelo Poder Público aos mais necessitados, porém em caráter temporário, uma vez que, como disse Ronald Reagan, "o melhor programa social é o emprego".
· A Saúde deve ser assegurada pelo Poder Público aos mais necessitados, porém com estímulos para a progressiva ampliação da saúde suplementar.
· A Segurança pública deve ser assegurada a todos pelo Poder Público.
· A Educação Básica e Superior de qualidade, sem desvios político-ideológicos de quaisquer tendências, é o alicerce primordial de uma Nação formada por cidadãos plenos e conscientes.
· A Educação Básica de qualidade deve ser assegurada a todos pelo Poder Público.
· Defesa do primordial conceito de raça humana, sem discriminação de qualquer espécie e com absoluto respeito à diversidade.
· Promoção das liberdades civis em todos os seus mais amplos sentidos, com destaque para a liberdade de expressão, sempre admitindo as correlatas responsabilidades.
· Incentivo ao trabalho voluntário, em franca contraposição ao coletivismo involuntário, imposto pelo Estado.
· Adoção do liberalismo econômico como um dos fundamentos da democracia, cabendo ao Estado o poder regulador sobre ativos econômicos de alto risco social, no exercício de sua função supletiva, de subsidiariedade.
· Individualismo econômico, livre competição, livre iniciativa, livre empresa e meritocracia.
· As intervenções do Estado na Economia devem se dar no sentido de regular as relações de mercado, evitando práticas anticompetitivas como cartéis, dumping, monopólios e oligopólios.
· Desestatização da Economia, exceto em áreas estratégicas essenciais para a soberania nacional.
· Defesa do meio ambiente conciliada com a exploração cuidadosa dos recursos naturais, em prol do desenvolvimento socioeconômico responsável.
· Rigoroso combate às organizações criminosas, à corrupção e à impunidade, em caráter permanente e integrado.
· Para ser efetivo, o Sistema Judiciário deve ser ágil, menos dispendioso e isento de vieses político-ideológicos.
Analisando cada um dos pontos, fica fácil concordar com o citado articulista português Rui Albuquerque, quando afirma que "um liberal só o será se também for um conservador, enquanto que um verdadeiro conservador não poderá deixar de ser um liberal"[i].
Nesse contexto histórico e ideológico, é imperioso identificar o perfil médio do maçom, atualmente. Historicamente, a Maçonaria foi e continua sendo perseguida por governos totalitários, com destaque para os socialistas e comunistas. Isso vale para a antiga União Soviética e todos os países da chamada "Cortina de Ferro" que se contrapunham aos países capitalistas, democráticos e liberais. Atualmente, símbolos do atraso socialista como a Coreia do Norte e a Venezuela proíbem a Maçonaria em seus territórios.
A propagada tolerância da Maçonaria em Cuba é uma grande falácia. É certo que ela ajudou Fidel Castro em suas lutas para chegar ao poder e, por isso, foi por ele autorizada a continuar a funcionar. Por outro lado, um amigo e Irmão cubano — cuja identidade será preservada por motivos óbvios — contou-me certa vez que as sessões são sempre acompanhadas por um "maçom membro do Partido Comunista", que abertamente controla tudo o que foi ali tratado. Não há a mínima chance de assuntos como "liberdade" e "democracia" serem colocados em pauta sem que seus autores sejam rigorosa e imediatamente punidos pelos agentes comunistas. Vale dizer que o basilar princípio de sigilo das reuniões maçônicas simplesmente não existe, em Cuba, colocando por terra quaisquer outros princípios de regularidade.
No Brasil, durante o processo que antecede a cerimônia de iniciação, ao candidato é informado que ele deverá seguir os "Princípios Gerais da Maçonaria" e os "Postulados Universais da Instituição" que, no caso do Grande Oriente do Brasil, estão claramente expressos no Capítulo I da Constituição, in verbis:
Art. 1º A Maçonaria e uma instituição essencialmente iniciática, filosófica, filantrópica, progressista e evolucionista, cujos fins supremos são: Liberdade, Igualdade e Fraternidade.
Parágrafo único. Além de buscar atingir esses fins, a Maçonaria:
I – proclama a prevalência do espírito sobre a matéria;
II – pugna pelo aperfeiçoamento moral, intelectual e social da humanidade, por meio do cumprimento inflexível do dever, da prática desinteressada da beneficência e da investigação constante da verdade;
III - proclama que os homens são livres e iguais em direitos e que a tolerância constitui o princípio cardeal nas relações humanas, para que sejam respeitadas as convicções e a dignidade de cada um;
IV - defende a plena liberdade de expressão do pensamento, como direito fundamental do ser humano, observada correlata responsabilidade;
V - reconhece o trabalho como dever social e direito inalienável;
VI - considera Irmãos todos os Maçons, quaisquer que sejam suas raças, nacionalidades, convicções ou crenças;
VII - sustenta que os Maçons têm os seguintes deveres essenciais: amor a? família, fidelidade e devotamento a? Pátria e obediência a? lei;
VIII - determina que os Maçons estendam e liberalizem os laços fraternais que os unem a todos os homens esparsos pela superfície da terra;
IX - recomenda a divulgação de sua doutrina pelo exemplo e pela palavra e combate, terminantemente, o recurso a? força e a? violência para a consecução de quaisquer objetivos;
X - adota sinais e emblemas de elevada significação simbólica;
XI - defende que nenhum Maçom seja obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;
XII - condena a exploração do homem, os privilégios e as regalias, enaltecendo, porém, o mérito da inteligência e da virtude, bem como o valor demonstrado na prestação de serviços a? Ordem, a? Pátria e a? Humanidade;
XIII - afirma que os sectarismos político, religioso e racial são incompatíveis com a universalidade do espírito maçônico;
XIV – combate a ignorância, a superstição e a tirania.
Art. 2º São postulados universais da Instituição Maçônica:
I - a existência de um princípio criador: o Grande Arquiteto do Universo;
II - o sigilo;
III - o simbolismo da Maçonaria Universal;
IV - a divisão da Maçonaria Simbólica em três graus;
V - a Lenda do Terceiro Grau e sua incorporação aos Rituais;
VI - a exclusiva iniciação de homens;
VII - a proibição de discussão ou controvérsia sobre matéria político-partidária, religiosa e racial, dentro dos templos ou fora deles, em seu nome;
VIII - a manutenção das Três Grandes Luzes da Maçonaria: o Livro da Lei, o Esquadro e o Compasso, sempre a? vista, em todas as sessões das Lojas;
IX - o uso do avental nas sessões.
Uma atenta leitura desses dois primeiros artigos da Constituição do Grande Oriente do Brasil permite afirmar que não há como entender que socialistas e comunistas se tornem maçons. Por outro lado, é imperioso relacionar as patentes afinidades dos princípios e postulados da Ordem com os fundamentos liberais e conservadores atualmente praticados, com destaque para:
· a liberdade como fim supremo;
· a liberdade de expressão do pensamento;
· o amor à família, fidelidade e devotamento à Pátria e obediência à lei;
· o mérito da inteligência e da virtude; e
· a existência de um princípio criador: o Grande Arquiteto do Universo.
Além disso, maçons são, desde sempre, conservadores. Desejam a evolução da sociedade mantendo seus mais caros princípios e valores, preservam a família, Pátria e as tradições, como o simbolismo da Maçonaria Universal, a divisão da Maçonaria Simbólica em três graus e a lenda do Terceiro Grau.
Entre maçons, há sempre uma extensa e salutar diversidade de pensamentos, crenças e convicções, na busca constante da verdade. Todavia, é necessário reconhecer que essa diversidade não é compatível com os dogmas socialistas e comunistas e estará sempre inserida na ampla e também diversificada área que abrange "liberalismos" e "conservadorismos". Não há por que tornar singular aquilo que, por definição, é plural.
Assim, o liberalismo está assimilando concretas vantagens ao se aproximar do realismo conservador, do mesmo modo que, em outros vetores, o conservadorismo se fortalece ao aproximar-se do liberalismo. E ambos são robustas sementes no solo fértil do sistema de moral maçônico, velado por alegorias e ilustrado por símbolos. São correntes de pensamento frequentemente assimiláveis, ideologicamente sobrepostas e sinergicamente convergentes.
(*) Raul Sturari é Mestre-Maçom, Secretário de Relações Institucionais do Grande Oriente do Distrito Federal e Diretor Executivo do Egrégora.
[i] Idem.
A liberdade guiando o povo, de Eugène Delacroix (1789-1863). Fonte: Museu do Louvre, Paris, França.
A pintura acima é um óleo sobre tela com grandes dimensões (2,6 m x 3,25 m) que se refere à Revolução de Julho de 1830, na França, a qual motivou a queda de Carlos X. Uma destemida mulher, representando a liberdade, lidera o povo por cima dos corpos dos derrotados, trazendo a bandeira (símbolo pátrio) e o mosquete (símbolo do cidadão independente). A imagem inspirou a Estátua da Liberdade e está presente nas moedas brasileiras desde a Proclamação da República.