Coluna do Porfírio

O TEMPLO COMO UM EMPREENDIMENTO E SEU PATRIMÔNIO

Por Homero Jose Zanotta Vieira em 04/04/2023 às 05:48:55

Coluna dos Templários

CRÔNICAS DO TEMPLO: O TEMPLO COMO UM EMPREENDIMENTO E SEU PATRIMÔNIO

Ir.". Danilo Porfírio de Castro Vieira

M.".I."./ G.".I.".G.". gr .".33

Ao longo da Alta Idade Média, com o ditame político poliárquico e econômico feudal, a econômica e as relações de poder se estabeleceram em torno do solo, da propriedade privada imóvel, o que pressupõe a ruralização do contingente populacional. Neste sentido, as cidades foram abandonadas ou se estagnaram.

Com a presença islâmica no norte da África, Sicília, sul da península Itálica e, posteriormente as cruzadas, entre os séculos IX a XI, as linhas comerciais se restabelecem gradualmente no mediterrâneo ocidental. O comércio se interiorizando em solo europeu, impôs o desenvolvimento de urbes (cidades), que não só eram entrepostos comerciais, mas ponto de apoio logístico, atendendo demandas de abastecimento e de serviços.


Os serviços, respondendo as demandas, foram especializados, criando e aprimorando tecnologias, como no caso do arado animal e uso da terra para plantio. Também se desenvolveu a atividade de manufatura de produtos de primeira necessidade e da atividade de construção civil, que não atendiam apenas a Igreja, a uma monarquia ascendente e aos seus nobres, mas a classe de comerciante abastados.

Com aumento da população, fruto da melhoria do processo produtivo, a gradual mudança de referencial de riqueza (da terra para o trabalho), as cidades cresceram.

As cidades portuárias prosperaram com intenso fluxo de mercadorias entre Oriente e Ocidente. Não somente cidades italianas como Gênova, Veneza e Pisa, mas cidades como Barcelona e Lisboa, locais com presença da Ordem dos Cavaleiros do Templo.

O adensamento populacional também trouxe vários e trágicos problemas, pois as cidades careciam de saneamento básico e de descarte adequado de lixo, cumulado a problemas de higiene pessoal da época, oferecendo condições propícias para o flagelo da Peste Negra, ceifando 30% da população europeia.

É importante salientar, que as questões de planejamento urbanístico foram de alguma maneira enfrentadas pelo Templo em cidades criadas pela Ordem ou administradas por ela, com ruas alargadas e regulares, loteamentos organizados e sistema de vazão de esgoto, a exemplo de Tomar, Soure e Pombal.



A peste Negra

Acervo do autor

Entre os séculos XIII e XIV torna-se evidente e indiscutível o declínio do modelo feudal, com intensa circulação de mercadorias, da ascensão do trabalho livre e da importância do ressurgimento do dinheiro como principal forma de transação.

O então servo, ao fixar-se na cidade, ou mesmo nas terras do grande proprietário, tornou-se proletário, vivendo de remuneração pelo seu trabalho, o que ainda não superava a miséria, sujeitando-se a condições desumanas.

A terra, que outrora era a fonte primordial de riqueza, agora se sujeitava ao dinheiro e a produção, pelo arrendamento, fonte de matéria prima, a exemplo da produção de tecido (lã e linho).

Com o renascimento comercial e o novo modelo econômico estabelecido no capital, observa-se que as autoridades feudais e certas cidades começaram a cunhar as suas próprias unidades monetárias. Com isso, surgiu uma atividade que viabilizou o comercio: as casas cambiais.

O câmbio era (e ainda é) a atividade econômica de troca de valores, proporcionalmente, ou seja, a transação de moedas, a troca de dinheiro de um local por outro. O cambista fazia, portanto, uma intermediação, viabilizando o exercício comercial dando acesso aos recursos financeiros a serem utilizados na localidade.

Os cambistas, gradualmente, assumiram a função de banqueiros, guardando e administrando os recursos empenhados por comerciantes e nobres proprietários (depósitos monetários), emitindo títulos que certificavam a entrega dos valores.

Não bastava estabelecer um sistema bancário que possibilitasse o crédito e guarda do capital, mas formas de circulação eficiente, rápida e segura.

Em um contexto poliárquico, inexistindo o Estado Nacional, sem efetiva soberania de um governante, sem poder cogente/policial, sem um povo sujeito a uma autoridade central (no caso um monarca com poderes de fato e direito) e sem território definido (o Estado Moderno só se consolidará com advento da paz de Vestfália – 1648), a nova ordem capitalista necessitava de proteção aos credores, devedores e seus bens patrimoniais. A solução foi a criação de títulos de créditos (notas promissórias e letras de câmbio) que possibilitavam a transação e circulação segura do capital.

Os títulos eram documentos (papéis/cártulas) que expunham direitos de crédito de seus titulares a as obrigações de seus emitentes/devedores. Posteriormente, com o advento do endosso, os direitos contidos nos títulos tornaram-se transferíveis a terceiros, que assumiam exigibilidade no gozo do pagamento. Os títulos apresentavam, portanto, o que no Direito se chama de autonomia e abstração, ou seja, o papel (cartularidade) estabelecia um direito em si, com valor líquido (em dinheiro) e certo, sem a necessidade de se comprovar as causas do lançamento do documento (não há causalidade), sendo transferível a qualquer pessoa (circularidade), que poderia exigir seu cumprimento (exigibilidade), inclusive como forma de pagamento.

É neste contexto, neste modelo econômico em construção e ascensão, que os Pobres Cavaleiros de Cristo e dos Templo de Salomão enriqueceram.

A tarefa primordial dos Cavaleiros de Cristo ou do Templo era escoltar e proteger os peregrinos que estavam a caminho da cidade de Jerusalém. Inicialmente, por seus serviços, recebiam contribuições, que mantinham, de forma modesta, as necessidades de seus integrantes. Realmente eram uma ordem de pobres cavaleiros.

Outra função da Ordem era ser uma milicia, combatendo de forma aguerrida os seldjúcidas e os fatímidas, recebendo em troca contribuições do rei de Jerusalém e de seus vassalos. Inclusive uma forma de obtenção de recurso era o butim de guerra.

A partir da construção da boa fama da ordem, da visita de Hugo de Payens a Europa (diga-se terra francesas e inglesas), em 1128, sustentada retoricamente por Bernardo de Claraval, os Templários se enriqueceram.

Os reis de França e da Inglaterra e seus nobres vassalos doaram terras e recursos aos Templários, tornando-se uma ordem próspera. Posteriormente, a partir de 1131, com a ação dos Templários na península Ibérica, os reis de Aragão, Navarra, Leão (mais a frente Castela) e Portugal, doaram extensões de terra a Ordem do Templo.

Em uma época que riqueza era mensurada em terra, em um curto espaço de tempo, o Templo tornou-se uma potência econômica.

Independente de todas as teses conspiratórias ou exotéricas (esotéricas também), de fato a Ordem prosperou pela sua fama de força, coragem, competência e segurança, angariando recursos e propriedades no Oriente Médio e na Europa Ocidental.

A causa da prosperidade da ordem não se reduzia a doações pela causa cruzada. Os templários, como já abordado anteriormente, valorizava a formação, a educação dos seus integrantes.

Os monges guerreiros, em especial os mestres, tinham formação não só na ars da cavalaria, mas tinham conhecimento de outras artes/técnicas, como de construção e de manufatura.

Era comum nas cidades e vilas próximas aos mosteiros, conventos e priorados do Templo os citadinos procurarem os monges para auxiliar em serviços civis, e conhecimento qualificado, como auxílio em técnicas de plantio, armazenamento, cuidado com animais de corte e de transporte, orientação e execução na manufatura de equipamentos, como também construção civil.

A contraprestação vinha por "doações" em dinheiro, de mantimentos, de animais e de terras.

Os Templários também tinham os seus próprios empreendimentos.

Em princípio, com objetivo estratégico, os templários ao longo do Mediterrâneo ocidental (península Itálica, literal francês e península Ibérica), construiu inúmeras estradas (que até hoje resistem e são utilizadas) e fortificações, que facilitavam a mobilidade e a ação militar da Ordem. Porém, essas estradas foram utilizadas por civis, para a circulação de pessoas e mercadorias. Os transeuntes para terem acesso as estradas e terem estadia nas fortificações, acabavam por contribuir com pedágios e doações.

Outro empreendimento era a navegação. A Ordem, sob influência dos normandos (de origem nórdica) e, a partir das cruzadas, aprendendo conhecimentos astrológicos e navais com gregos, egípcios, sírio-libaneses (ascendência fenícia), iranianos e de comerciantes vindos do oriente distante (Índia e China), acabou desenvolvendo a maior frota de sua época, incialmente com objetivos militares, situados em Acre, Chipre, Barcelona, Burgo de Faro, Porto, Lisboa, San Valery em Caux, San Valery sur Somme e La Rochelle.

O Templo diversificou o transporte marítimo, criando um serviço de transporte de pessoas, para conduzir os peregrinos à Terra Santa, com seus próprios homens e recursos. A seguir, os Templários se aproveitaram do restabelecimento das rotas comerciais mediterrâneas e da rota da seda, controlando o fluxo comercial no litoral europeu ocidental, firmando uma estável linha comercial entre os territórios nórdicos, ilhas britânicas e litoral franco-ibérico.

Outra atividade importante desenvolvida pelos templários foi a atividade bancária. As famílias nobres e, posteriormente, de origem burguesa depositavam seus recursos (ativos líquidos / dinheiro e joias) em locais que ofereciam segurança, em especial fortalezas. Os Templários, que possuíam uma reputação impecável (honradez e probidade), além de notória fama de bravos e preparados guerreiros, assumiram o papel de guardiões de recursos alheios, tendo, inclusive, em suas fortalezas, sala forte (o cofre).



Templários assumiram o papel de guardiões de recursos alheios

Acervo do Autor


É importante enfatizar que a administração financeira de reis, nobre e até de papas era feita pela Ordem do Templo. Inclusive, o Templo tinha a função de coletar tributos papais, sendo remunerado por isso.

O acúmulo de riquezas, por parte do Templo, e a guarda e emprego de dos recursos fungíveis de terceiros, tornaram a Ordem numa empreendedora bancária, adquirindo experiência na transferência de valores entre os territórios europeus, como da Europa para a Terra Santa. O templo virou um banco pan-europeu.

A Ordem foi uma das responsáveis no desenvolvimento de cartas de crédito (títulos de crédito), a exemplo das letras de câmbio e das notas promissórias, realizando empréstimos para comerciantes, a nobreza e a realeza europeias, ao clero, inclusive ao papado.

Isso gerou a cobiça e o temor de setores do clero e da elite política europeia, o que selaria o fim da Ordem como era conhecida.

Referências Bibliográficas

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Abrão, Nelson. Curso de Direito Bancário. Revista dos Tribunais: São Paulo, 1988

Duran, Fernando Arroyo. Codex Templi: os mistérios templários à luz da história e tradição. Zéfiro: Sintra (Portugal), 2007

Eco, Umberto. Idade Média: catedrais, cavaleiros e cidades. Dom Quixote: Alfragide(Portugal), 2013

Guinguand, Maurice. O ouro templário: Gisords ou Tomar? Bertrand Editora: Lisboa, 2009

Huizinga, Johan. O outono da Idade Média. São Paulo: Cosac Naif, 2010

Requião, Rubens. Direito Comercial. 34 ed. Saraiva: São Paulo, 2015, vol 2

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