CRÔNICAS DO TEMPLO: INFLUÊNCIAS E CONVICÇÕES (PARTE III)

Nosso Irmão Danilo nos fala de mais um dos fragmentos das Cruzadas

Por Irmão Danilo Porfírio de Castro Vieira em 13/02/2024 às 10:54:37

Danu, a força criadora

CRÔNICAS DO TEMPLO: INFLUÊNCIAS E CONVICÇÕES (PARTE III)

TRADIÇÃO CÉLTICA EM TERRITÓRIO FRANCO

O povo celta são um conjunto de povos que habitaram grande extensão continente europeu (da Hungria a Portugal; da Irlanda e Ilhas Britânicas até norte da Itália), na Antiguidade, possuindo uma origem étnica comum, uma matriz cultural, linguística e religiosa, porém desenvolvendo certas peculiaridades identitárias entre grupos e tribos.

A organização coletiva era estratificada e hierarquizada, composta por uma casta de sacerdotes (os druidas), uma elite aristocrática/nobre, e homens e mulheres comuns, que eram preparados em tempo de paz para a vida cotidiana (plantio, caça, manufatura), porém preparado para o combate em tempos de guerra. O chefe do grupo, ou rei, era eleito pela comunidade, não existindo hereditariedade.


Os druidas eram a grupo/estamento mais influente na comunidade celta. Não só tinham atribuições religiosas, mas possuíam funções administrativas e jurídicas.

A atividade sacerdotal, era exercida por homens e mulheres (que tinham protagonismo). Eram a elite intelectual, que tinham a atribuição de educar e orientar a comunidade e aconselhar governantes. Etimologicamente, a palavra druida vem da associação dos termos deru (carvalho / associado a solidez e ancestralidade) e wid (que significa saber), ou seja, aquele que tem conhecimento sólido/ancestral.

Eram filósofos animistas. Denomina-se animismo como uma forma de compreensão do cosmos, de suas forças, e a relação com os homens, atribuindo espiritualidade aos entes da natureza (vegetais e animais), não existindo distinção o espiritual e o físico/material.

Os nobres tinham o dever de administrar e guardar a comunidade contra ameaças externas. Seu poder se sustentava na legitimidade religiosa. Os homens comuns mantinham a atividade econômica da comunidade, pelos trabalhos braçais, principalmente agrícola, mas existiam atividades especializadas vinculadas a fabricação artesanal de objetos e comércio. Porém, em momento de conflito, todas os integrantes da comunidade eram chamados a defender, a preparação para o combate fazia parte da formação dos celtas. Os celtas também se utilizavam de trabalho escravo, em especial resultante de butim de guerra, escravidão por dívida ou cometimento de ilícitos.

A religião céltica era politeísta, que representavam forças da natureza, virtudes e vícios considerados pela comunidade, ou respondiam a demandas especificas. A liturgia céltica era integrada a natureza, exercida em locais abertos, sendo aceitável sacrifícios humanos e necromancia.

A religião céltica admitia a reencarnação da alma, o culto aos antepassados, e transmigração de almas para outros animais, o que ratificava a conexão entre o homem e a natureza.

Cultuavam a natureza representada por uma Deusa Mãe, entidade plena e máxima.

Os celtas, a partir do século 1 a.C, tornam-se sujeitos ao domínio romano, que tinha uma política de aculturamento e assimilação. Os deuses celtas perderam sua integridade, sendo identificados a deuses romanos.

Com a cristianização do Império, partir do século 4 a.C, as comunidades sujeitas ao domínio imperial, foram convertidas com o apoio da máquina institucional administrativa. A religião tradicional foi formalmente abandonada, estando de fato presente na miscigenação, ainda presente em cultos, crenças populares e devoção a santos.

CRISTIANISMO CELTA

Com o colapso do Império Romano Ocidental, e sem apoio das instituições públicas romanas, a Igreja, que centralizava suas ações em espaço urbano, acabou por incentivar a catequização da população rural por meio ações missionárias.

Percebeu-se que nos rincões do império, seja na Britannia, na Gália (hoje França) ou na Hispania (Espanha e Portugal) a presença cristã era muito diferente no dogma romano, ou mesmo, algo distante, perseverando tradições anteriores à própria presença romana. As medidas missionárias não ficaram restritas ao antigo território, mas se estenderam para além Anglia, especificamente o Highland (Escócia) e a Irlanda, locais que não tiveram contato com o cristianismo.

Os irlandeses e escoceses nem sequer foram romanizados, e a conversão foi feita de forma lenta, dentro de sua língua, cultura e formação religiosa local, o que resultou num intenso sincretismo, com a recepção de fundamentos místicos de origem céticas. No interior da Europa Ocidental, em função da ausência da estrutura institucional e repressora (vocação "civilizadora" dos romanos), a Igreja teve que tolerar a recepção das tradições célticas resistentes. Os agentes missionários buscavam incialmente converter as lideranças locais que garantiam, posteriormente, catequização da comunidade.

Os núcleos cristãos acabaram tendo autonomia da Sé Romana, o que foi facilitado pela distância, o que determinara não somente o sincretismo, mas um ecletismo, uma diversidade regionalizada de crenças e liturgias. Logo, a mitologia celta sobreviveu no cristianismo.

No cristianismo celta observa-se uma forte espiritualidade em torno da criação, da foças da natureza. Glorificar a criação, a natureza e suas forças, é louvar a Deus. Essa concepção de entendimento da natureza e da interação harmoniosa, inspirou religiosos e motivou renovações, a exemplo de Francisco de Assis, seis séculos depois desse processo de miscigenação.

De forma muito parecida ao esoterismo judaico, o cristianismo celta acreditava numa vinculação identitária, num elo entre a natureza e o Criador, justificando a vida no evangelho (o evangelho como realidade praticável).

Ao exemplo dos Demiurgos (Aeons e Arcontes) os celtas cultuavam as forças da natureza e, com a cristianização, essas forças (espíritos, divindades e semi-divindades) foram transformadas em santos da Igreja.

Um símbolo peculiar, utilizado pelos celtas, que representa a fertilização da Terra são as abelhas e a colmeia.

As abelhas e a colmeia são os homens e a comunidade/sociedade que possuem uma relação de reciprocidade do mundo, polinizando (a centelha da vida) e produzindo o mel, os frutos do mundo vivificado. Como as abelhas, os homens devem ser comandados por uma rainha! Não se trata de um ente físico, mas a sabedoria, a justiça (materialização da alma). Como na Shekhinah e na Sophia/Phronesis, a energia inspiradora e regeneradora da colmeia é feminina.



Os celtas acreditavam que o hidromel, bebida alcóolica resultante do processamento e fermentação do mel, era o licor da imortalidade.

Os celtas acreditavam que o hidromel, bebida alcóolica resultante do processamento e fermentação do mel, era o licor da imortalidade.

É importante ressaltar que Childerico I (436-482 d. C), rei dos francos, filho de Meroveu (fundador da dinastia dos merovíngios), também general romano na província da Galia, inserido às tradições romano-gálicas (célticas), determinou que, ao ser enterrado, sua tumba, localizada na igreja de Saint-Brice (Tournais), fosse adornada de abelhas de ouro (300 peças).

Logo, a força vivificadora, regeneradora entre os celtas era representada pela maior divindade entre os celtas, a grande Mãe, a senhora da natureza: Danu (na religião Hindu): Danu, Danand, Dana, Ana, Anu (Irlanda); Don (Gales); Danuvius (península Itálica); Duna (Hungria).

Danu era Senhora da Terra (e das águas), da fertilidade e riqueza, da harmonia/ordem e da família. Danu também representa o ternário, as três faces da manifestação divina: unidade, entendimento e sabedoria; positivo, negativo e composição; passado, presente, futuro. Inclusive, o termo "Dan" significa conhecimento.

Danu, portanto, é força criadora, fertilizadora, associada a justiça e prudência, sendo assimilada pela tradição cristã assumindo a condição de Maria, ou de sua mãe, Ana (Sant"Ana / Danann, Dana, Anu ou Ana). Na primeira versão, Maria é a Senhora da Terra, a virgem que pelo logos divino, concebeu a vida. É a terra regenerada e o homem em salvação. Na segunda versão, Santa Ana seria associada realmente a mãe da terra, a força criadora, o princípio criador, enquanto Maria seria a terra fertilizada, o mundo regenerado (o graal).

PRESENÇA NÓRDICA EM TERRITÓRIO FRANCO

A era (ou movimento) viking foi o período entre os anos 700 e 900 d.C, caracterizado pela ação povos oriundos do norte da Europa, especificamente a região da Escandinávia, com o fim de colonizar terras, saquear e estabelecer linhas comerciais. Os tais homens do norte, também denominados de rus (daí vem o termo Rússia), só foram chamados de vikings, entre os séculos 18 e 19 d. C, no intuito de promover o nacionalismo dinamarquês e sueco. XVIII.

A primeira onda de expansão escandinava foi caracterizada pela invasão e colonização de territórios como Escócia, Anglia e Irlanda, enquanto o segundo movimento foi caraterizado pelo fortalecimento dos assentamentos, institucionalização e centralização de poder.

A expansão foi motivada por demandas necessárias, pelo acesso a terras férteis, pela busca de recursos e riquezas, voltando-se não apenas às ilhas britânicas, mas à Germânia, à França, aos territórios que hoje são conhecidos com a região centro norte da Rússia, como também o Império Bizantino. Estabeleceram elos comerciais com os povos muçulmanos.

No século 10 percebe-se a conversão dos povos escandinavos ao cristianismo e, consequentemente, uma mudança de costumes (próprios da Europa Meridional), não apenas nos locais dominados por eles, mas nas suas terras de origem.

Originalmente, a mitologia nórdica era politeísta, representando as forças da natureza, as paixões humanas e as contingências da vida. Um culto que valorizava a virilidade, coragem, sacrifício, força, dentro de código de honra forte.

Os homens e mulheres que morriam em guerras ou em missões eram tratados com distinção, pois ofereciam, aos olhos da comunidade, suas vidas em sacrifício, sendo exaltados como heróis, tendo como destino o Valhalla, um "paraíso".

O cristianismo nórdico, não rompeu completamente com as crenças nórdicas, apresentando, inclusive, sincretismo. Foram diversos os meios, conversões da nobreza visando melhores conexões políticas com os reinos europeus continentais, coerção pelas armas militar, perseguições, ou adesão espontânea de pessoas ou coletividades.

Um exemplo, interessante e pertinente, é a conversão de Rollo, duque da Normandia.

Rollo, conhecido como o Errante, foi um líder escandinavo, que, após exilado do que, contemporaneamente, chamamos de Noruega, por disputas políticas (filho de conde Rognvald de More / expulso em 874 d.C), organizou um grupo vikings no intuito de pilhar terras francesas e ilhas britânicas. Por diversas vezes ameaçou a segurança de Paris, até Carlos III da França lhe ofereceu proposta de paz.

O Tratado de Saint-Clair-sur-Epte, foi um acordo assinado no ano 911 d.C, entre Carlos III da França, e Rollo, líder escandinavo (viking), reconhecendo a presença e predomínio nórdico no norte do reino francês, até hoje denominado de Normandia (terra dos normandos/escandinavos).



Normandia (terra dos normandos/escandinavos).

O intuito era cessar a onda de invasões normandas. A condição é que Rollo se convertesse ao cristianismo e fosse vassalo do rei, defendendo-o contras outras invasões vikings. Casou-se com Gisela, uma das filhas do rei Carlos. Em 912 d. C, Rollo foi batizado na catedral de Rouen, porém ficam dúvidas sobre o abandono efetivo da fé nórdica.

Rollo é tataravô de rei inglês Guilherme, o Conquistador.

A família de nobres franceses Saint Claire (ou Saint Clair), influente entre os Templários e com um braço escocês, se denominavam descendentes, não somente, da antiga dinastia dos merovíngios, mas de famílias franco-judaicas importantes (casamento com Meroveu), como do próprio Rollo e Popa. Popa de Bayeux foi a primeira esposa de origem francesa, ou concubina (more danico, a moda dos dinamarqueses) de Rollo, pois ele, posteriormente, casou-se com Gisela, sem existir registro de anulação. Popa era filha do conde Berenger Bayeux (senhor de Neustria). Existe tese que Popa também tinha ascendência judaica

FREYA: A VÊNUS DOS NÓRDICOS

A deusa Freya (Senhora) era a deusa mais adorada na mitologia nórdica, sendo idealizada como uma mulher voluptuosa, com imenso charme. É filha de Niord, deus dos ventos marítimos, com a gigante Skadir, tendo como irmã Nerthus, deusa da terra, e seu gêmeo de Freyr, o deus da fertilidade e prosperidade. Observa-se, portanto, que Freyr e Freya, representam a a composição entre dualidade e unidade, a fragmentação da divindade em dois polos.


Era a deusa da beleza, sendo associada ao amor, à magia, à prosperidade (era a deusa do ouro, com grande apreço por joias) e, ao sexo e a fertilidade (inclusive a luxúria). Também era a deusa da guerra e da morte.

Em Asgar, Freya recepcionava os heróis, os homens que corajosamente tombavam em batalha. Parte dos heróis eram hospedes de Freya em seu palácio (Fólkvangr), e o restante era conduzido por Odin ao Valhalla. Freya, em Asgar, convivia com Frigga, esposa de Odin, a deusa-mãe da dinastia de Aesir, deuses guerreiros descendentes de Odin. É também a deusa da fertilidade e do amor, porém, em um prisma tradicional, sendo considerada deusa do casamento e da família, protetora das esposas e das mães.

Freya era admiradora e incentivadora das artes, não só as sensíveis, mas a intelectuais (a semelhança da ars na tradição romana), especificamente música e poemas, sendo vinculada, não somente a força, mas ao conhecimento e a sabedoria, a semelhança de Vênus (deusa romana) e Ishtar (deusa sumério-caldaica).

Comparativamente a tradição esotérica judaica, de fertilização da terra pela presença Shekhinah (a face feminina de Deus) ou do gnosticismo cristão, com a conjunção do logos (razão divina / ratio) com a sophia (phronesis / pruedentia / Justitia), como forma de reconciliação do mundo (a noiva / a Humanidade) com Deus (o noivo), Freya, enquanto Terra, só é feliz e plena, quando está unida com a Odur, o Sol, seu grande amor, causa da beleza e fertilidade do mundo.

Ir.". Danilo Porfírio de Castro Vieira

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Fonte: Acervo do autor

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