UM PÉ CALÇADO O OUTRO DESCALÇO

Aprendiz anda por caminhos tortos

Por Luiz Gonzaga da Rocha em 14/01/2025 às 15:52:42


UM PÉ CALÇADO O OUTRO DESCALÇO

Luiz Gonzaga da Rocha

Oriente de Brasília/DF


Sumário

"Coitado do rei, está nu! O rei está nu!" gritou uma criança em sua pureza e inocência diante do rei que, tocado pela vaidade, acreditou estar vestido com a roupa mais bonita que qualquer monarca, em todo mundo, jamais havia vestido. Muitos maçons conhecem esse conto do escritor dinamarquês Hans Christian Andersen. No conto (1837), as pessoas (súditos) tinham consciência da situação vexatória que o rei estava passando, mas, para não se comprometerem, fizeram de conta que o rei estava convenientemente vestido e o aplaudiram.

Recebido "nem nu, nem vestido", com um pé calçado, o outro descalço, todos os maçons que passaram por essa preciosa lição de respeito e humildade sentiram o poderoso impacto do sentido alegórico do "nem nu, nem vestido". Sem aventurar nada absolutamente, o desnude de parte do corpo é um mistério que imita antigas tradições iniciáticas que exaltam a humildade. Tal é o pensamento que deciframos no primeiro grau ou iniciação à Maçonaria, na qual a Maçonaria se ocupa em preparar o homem para melhor servir ao estado social, ensinando-o a reprimir suas paixões e a praticar ações úteis a ele e a seus semelhantes.

No conto de Andersen foi evidenciado pelo alfaiate que "somente as pessoas inteligentes, poderia visualizar a magnífica roupa do rei". No relato iniciático maçônico, o desnude dos pés não é explicitado ritualisticamente, os rituais maçônicos se abstêm de qualquer explicação real, não olvidando, entrementes, de ministrar o ensinamento de quão necessário é que em meio aos profanos apresentar-se com trajes que exige a decência e o progresso social, induzindo-o, como antes se exigia ao neófito, o exercício assíduo da linguagem e o conhecimento das Leis e Regulamentos que rege a Maçonaria e os Maçons.

Este artigo, especial para os Obreiros da ARLS Antônio Francisco Lisboa 3793, e por extensão aos demais Obreiros das Lojas Maçônicas no Brasil, tem por objetivo provocar, aguçar o prazer da leitura dos livros maçônicos, em suma, despertar curiosidades e alertar: não vamos nos mover para a arquitetura do futuro sem quebrar, a serviço da Maçonaria, as barreiras da linguagem escrita e falada.

O Caminhar do Aprendiz por caminhos tortos

Com um dos pés calçado, o outro descalço, assim deveriam caminhar os Aprendizes, e por extensão, os Maçons, pois assim deram os seus primeiros e preciosos passos no momento de ingresso pelos portais da Sublime instituição maçônica antes de se recompor e caminhar com os dois pés calçados. Está certo! Homem algum, caminha, na busca do seu aperfeiçoamento intelectual, com um pé descalço e o outro calçado, ou caminha com os pés descalços, ou com os pés calçados. Em verdade, em verdade, ninguém mais sabe dizer de onde adveio a prática de submeter o candidato a ingresso na Maçonaria com parte do corpo desnudo e com apenas um dos pés calçados. O nem nu, nem vestido, não encontra arrimo nas tradições iniciáticas, místicas, esotéricas ou gnósticas Oriental, ou Ocidental.

Compreender e não permitir restar dúvida de que existe muita desinformação, erros, desencontros e incompreensões na tradição e evolução histórica da Maçonaria, e entender que a causa natural destes erros ou desencontros de informações são causadas pelas mudanças, ou metamorfoses e alterações pelas quais haja experimentado no transcurso do tempo, os maçons, inconscientemente, reproduzem e perpetuam erros e equívocos consagrados à Maçonaria. Isto me induz a sérias interrogações, algumas das quais ouso externar. Senão, vejamos:

O Reverendo James Anderson, nas "Constituições dos Maçons (1723)", indicou o ano de 1717 como marco inicial da mutação maçônica, com a criação da primeira "Loja-Mãe" da Maçonaria. Mas, se quisesse, poderia ter indicado o ano da verdadeira origem, o ano de 1716, pois foi em 24 de junho de 1716, que, pela primeira vez, as quatros lojas de Londres e Westminster se reuniram na RL da At The Aplle-Tree Taverna (A Taverna da Macieira) e decidiram marcar a data de 24 de junho de 1717, para a eleição de um novo grão-mestre da Ordem e a retomada das grandes reuniões festivas dos maçons no dia celebrado ao Santo Padroeiro. Diga-se, de passagem, que o nome de Anthony Sayer, Primeiro Vigilante da Loja d"A Macieira", foi indicado em 1716 e confirmado em 1717, como o Primeiro Grão-Mestre da Ordem.

Apontar e confirmar a data de 24 de junho de 1717 como data limitadora para o estabelecimento da Maçonaria Especulativa, distinguindo os maçons de antes (Maçons Operativos) e os da época (Maçons Especulativos, Modernos ou Aceitos), assim denominado por não serem assentadores de pedras e construtores. É um equívoco a adoção do termo "Aceitos" a partir de 1717, é pura invenção, verdadeira especulação, pois como se sabe, um dos primeiros maçons especulativos, historicamente documentado, foi o rei James VI da Escócia, eleito maçom na Loja de Scoon e Perth, em 1601. Também há o registro de 1641, de que Sir Robert Moray foi tornado maçom em Newcastle, e em 1646, há o registro da filiação de Elias Ashmole e Henry Mainwaring, em Warrington (Inglaterra). Portanto, existiram maçons aceitos oriundos das classes burguesas ou nobres, muito antes de 1717.

Em outros exemplos de coisas que somente se aprende lendo, podemos destacar a palavra "especulativo", que em sentido literal, significa "curioso" (que está sempre buscando aprende ou conhecer algo), "teórico" (que analisa algo para conhecer, sem utilização prática), "abstrato" (pensativo, absorto, absorvido, abstraído, aéreo, alheado, alheio) e "aquele que estuda uma coisa, só para conhecer, não para praticar". O adjetivo "especulativo" servia para identificar, no século XVII, a pessoa propensa à contemplação e à meditação. O "especulativo" era um idealista e não um homem de ação ou profissional. O adjetivo foi aplicado aos Maçons Aceitos em meados do século XVIII. A especial rigor, creio que o adjetivo não se aplicar inteligentemente aos Maçons Aceitos.

Ademais, estou convencido de que não existiu uma Maçonaria Operativa ou uma "pré-maçonaria", em tempo e lugar algum, que tenha deixado de existir em 1717. Assim como não creio que exista uma Maçonaria Moderna ou Especulativa. A existência da História da Maçonaria é um todo contínuo. Este convencimento é fundamentado no entendimento de que "A História da Maçonaria", acompanhando as divisões da História Universal, adotou marcos distintivos didáticos-pedagógicos, para facilitar os estudos e análises dos diferentes momentos evolutivos. Tem-se, assim, as divisões da História Geral em Idade Antiga, Idade Média, Idade Moderna e Idade Contemporânea, e suas subdivisões em períodos mais curtos, como meios referenciais didáticos pedagógicos, e ele se aplicou à História Geral da Maçonaria. O Irmão e Confrade Luiz Vitório Cichoski (AMVBL) seguindo as linhas gerais, indicou as fases: Maçonaria Operativa (anterior a 1600), Maçonaria de Transição (1600-1717), Maçonaria Especulativa (após 1717) como fases históricas da maçonaria. E se propôs indagar sobre a função da Maçonaria hoje, no século XXI, abrindo espaços para nova divisão: Maçonaria Executiva ou Maçonaria Corporativa, para melhor caracterizar a Maçonaria no século XXI. Isto existe?

Para não me sentir perdido nessa trajetória evolutiva, conforta-me fazer reportagem a parágrafos extraídos da página oficial do Grande Oriente do Brasil, onde se lê:

Loja: As lojas, maciçamente voltadas para a recepção de Aprendizes e aumento de salários (para Companheiros), passaram a evoluir autonomamente. O uso do termo "maçom" consolida-se por volta de 1610, associado ao modo secreto de identificação que comprovava a qualificação profissional do obreiro.

Por volta de 1630 começa a crescer bem o número de "aceitos", geralmente vindos das classes burguesas ou nobres, em lojas, oriundos de fora do "métier" corporativo dos talhadores de pedra.

Modernidade: Vale destacar que a simples transição, geralmente divulgada, da chamada Maçonaria Operativa, via "pedreiros-livres", para a Maçonaria Especulativa, nunca conseguiu explicar de forma justa e perfeita o porquê da Ordem Maçônica ser linguagem universal, regular, prazerosa, emblemática, planetariamente bem resolvida e assimilada, repositório imemorial dos mistérios e da Tradição.

As Lojas dos séculos XVII e XVIII participaram da gênese de uma "esfera pública burguesa" como contrapartida da perda gradual de posição dominante, tanto das Cortes quanto da Igreja. Poucos, muito poucos documentos existentes sobre a Inglaterra do século XVII não permitem representar precisamente a organização da profissão do maçom.

Entre 1670 e 1730, nos clubes, cafés, salões, academias científicas, sociedades de intelectuais e, nas Lojas, aristocratas e burgueses encontravam-se para "construir juntos" um uso público do seu entendimento convergente. Esses espaços propiciavam a realização da aspiração "do debate permanente entre pessoas privadas". (www.gob.org.br/origens/)

Como o conto de Andersen, os maçons têm consciência da situação de esvaziamento que permeia nossas Lojas na atualidade, mas fazem de conta que tudo se encontra às mil maravilhas. Alguns começam a ser preocupar seriamente com o estado de coisas e buscam explicações e no real entendimento das explicações, aparece, com frequência, a expressão "reuniões desinteressantes", e apontam falhas das Oficinas em sua tarefa de fidelizar maçons, ofertando instruções e informações pouco condizentes com o status e interesse dos maçons.

Recebido na condição de "nem num nem vestido" para ingresso na Maçonaria, o Aprendiz-Maçom precisa do auxílio formativo para poder acercar-se e explorar com proficiência os muitos saberes dos quais a Ordem é repositória. Sem ser convenientemente instruído, o Aprendiz vai embora e a Ordem perde em quantidade, furtando-se do que poderia receber em qualidade, e como no conto do faz de conta, justifica-se afirmando que "saiu porque não era maçom".

Ocorre que ninguém se preocupa em saber as razões pelas quais o Maçom que pede seu "Quit-Placet" para se desligar, em definitivo, da Ordem. Nenhuma preocupação se abate sobre a Loja que perde um dos seus "Iniciados" para o Mundo Profano. Esquecendo que a Maçonaria e os Maçons do século XXI, vivem em um mundo de desafios e oportunidades, em um mundo em mudanças, e que a Maçonaria, por meio dos seus ensinamentos, simbolismo e esoterismo, podem eleva o homem espiritual e moralmente de modo a contribuir para o aprimoramento da sociedade profana.

A Loja do Aleijadinho do Distrito Federal, a exemplo de tantas outras Lojas Maçônicas Brasil afora, descobriu, tardiamente, que a porta de saída da Ordem é bem mais larga do que a porta de entrada, e que aquela está permanentemente "aberta" e a outra "semicerrada". E o que fazer? Fazer o quê? Existe solução?

A lição vem dos Estados Unidos, onde, na década de 90, foi utilizado como instrumento para retenção dos seus membros e os acolhimentos de novos adeptos, foi implantado um experimento que deu certo, trata-se de uma ação inteligente para fidelizar maçons e ampliar o Quadro de Obreiros, com a adoção da chamada "One-Day Class" (Aula de um Dia), com conferência dos três graus da Maçonaria Simbólica realizadas em um ou dois dias. Em Londres, na fase que antecedeu a criação da Royal Society, existiu a "Escola do Dia" (aberta ao público) e a "Escola da Noite" (só para adeptos), que reunia interessados para ouvir e discutir os avanços da Ciência.

Advogo que as Lojas Maçônicas brasileiras e a Loja Antônio Francisco Lisboa 3793, em particular, devam instituir o que seja denominado de "Aula da Noite" (Night Class), nos tempos de estudos das Sessões Ordinárias dos Graus em que a Loja funcionar. Advogo que as Lojas devam incentivar os seus Obreiros, em cada Sessão, para discorrer sobre um tema de interesse da Loja (Patrono, práticas, filosofia, história, obreiros) ou tema da atualidade (Inteligência Artificial, Futuro da Ordem, etc.), podendo convidar Obreiros de outras Oficinas para expor, e/ou mesmo convidar Obreiros para assistir às exposições semanais. No caso da Loja do Aleijadinho, que em 2025 completa o círculo de 45 anos, sugere-se que os textos apresentados sejam coletados para poder servir para a edição de livro "comemorativo".

Palavra Final

A educação e a formação do Maçom repousam no enraizamento dos nossos valores morais; na valorização dos princípios basilares da Ordem; na propagação das ideias de Liberdade, Igualdade e Fraternidade; e na valorização individual dos Maçons onde quer que estejam atuando como "relações-públicas" da Maçonaria, e particularmente, no incentivo à leitura. A nenhum Maçom, na atualidade, assiste o direito de descuidar do autoaperfeiçoamento, da elevação intelecto-cultural e formativa mediante a aquisição de conhecimentos livrescos e da leitura de artigos sobre aspectos maçônicos.

Este artigo, como assinalado desde o sumário, pretendeu provocar, aguçar curiosidades, despertar os Maçons para o prazer da leitura, rompendo as barreiras da linguagem falada e escrita. Afinal, importa combater o baixo consumo de livros e de leituras entre maçons "especulativos" ou "faladores de silêncios", atualmente, identificados em segmentos estanques: o dos que sabem que sabe, o dos que sabem que não sabe, e o dos que não sabem que não sabe, cada qual com inclinações e motivações maçônicas culturais, antropológicas, psicológicas, esotéricas e fraternais distintas, o que os projeta para aquém ou além do rótulo de "Eternos Aprendizes".

Todos os Maçons, se quiserem, serão Maçons que "sabem que sabem", e assim, moldarão não somente o Universo Maçônico, mas, o Mundo, tornando mais feliz a humanidade pelo aperfeiçoamento dos costumes.


Referência.

CICHOSKI. Luiz Vitório, As Fases da Maçonaria, in Revista Maçônica A Trolha 455, Londrina: Set. 2024.

ROCHA. Luiz Gonzaga da, Uma Viagem Excepcional – narrativa ficcional sobre Maçonaria e Espiritualidade, Brasília: Esoteric Mundi, 2024.

VUJACIC. Ranko, A Maçonaria e o século 21: Desafios e Oportunidades em um Mundo em Mudança, in ARS Regum 1, São Paulo: GLESP, 2022.

Luiz Gonzaga da Rocha - MI

Obreiro da Loja Antônio Francisco Lisboa nº 3793.

Brasília – Distrito Federal, 08/10/2024

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