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Maçonaria, liberal ou conservadora?

Nos tempos controversos de hoje, muitos de nós, maçons, se intitulam conservadores diante das agressões à democracia brasileira.



Maçonaria, liberal ou conservadora?

Nos tempos controversos de hoje, muitos de nós, maçons, se intitulam conservadores diante das agressões à democracia brasileira. Em busca de identificação com valores tradicionais, como a preservação da famĂ­lia e da fé em um Deus Ășnico, muitos irmãos se veem como defensores desses princĂ­pios. No entanto, cabe um questionamento: seria a Maçonaria uma instituição conservadora ou liberal?

Primeiramente, é necessĂĄrio compreender o que esses termos representam filosoficamente. O conservadorismo busca a manutenção das tradições, costumes e instituições fundamentais para a coesão social. Para os conservadores, as mudanças devem ser graduais, respeitando o passado e evitando inovações abruptas, que podem desestabilizar a ordem social. Valorizam-se a autoridade, a hierarquia e instituições tradicionais, como a famĂ­lia e a igreja, e, no campo econômico, hĂĄ uma preferĂȘncia por um governo mais limitado, com menor interferĂȘncia no mercado.

Entre os principais pensadores conservadores, destacam-se Edmund Burke, considerado o pai do conservadorismo moderno, que defendia mudanças graduais; Russell Kirk, que valorizava a ordem moral e os limites na ação governamental; Roger Scruton, que defendia a prudĂȘncia e as instituições duradouras; e Michael Oakeshott, que criticava o racionalismo exacerbado e o planejamento centralizado.

Por outro lado, o liberalismo tem como valor central a liberdade individual, abrangendo a liberdade de expressão, de religião e o direito de escolha nas esferas pessoais e econômicas. Defende a igualdade perante a lei e busca oportunidades iguais para todos. O liberalismo é mais favorĂĄvel às mudanças sociais e às reformas que visam corrigir desigualdades e injustiças. No campo econômico, os liberais defendem a regulação governamental para corrigir falhas de mercado, como monopólios e desigualdades econômicas. Valoriza-se o estado laico e a razão em detrimento de dogmas religiosos.

Entre os principais pensadores liberais, encontramos John Locke, pai do liberalismo, defensor dos direitos naturais à vida, liberdade e propriedade; Adam Smith, que fundamentou o liberalismo econômico; John Stuart Mill, que enfatizou a importância da liberdade individual e do utilitarismo; Friedrich Hayek, que alertou contra o controle estatal da economia; e Isaiah Berlin, que diferenciou os conceitos de liberdade positiva e negativa.

A Maçonaria especulativa, que emergiu no século XVIII, busca promover o aprimoramento moral e intelectual de seus membros, ensinando filosofia, simbolismo e valores espirituais. A fundação da Grande Loja da Inglaterra, em 1717, é considerada o marco oficial da Maçonaria moderna, cujos valores se entrelaçam tanto com o conservadorismo quanto com o liberalismo.

A Maçonaria desempenhou papéis relevantes em eventos históricos, como a IndependĂȘncia dos Estados Unidos e a Revolução Francesa. Nos EUA, maçons como George Washington e Benjamin Franklin foram figuras centrais no processo de independĂȘncia. JĂĄ na Revolução Francesa, nomes como o MarquĂȘs de Lafayette e Georges Danton estiveram envolvidos no movimento que defendia os direitos humanos e a igualdade, influenciados pelos ideais maçônicos e iluministas.

No Brasil, o Areópago de Itambé, fundado em 1796 em Pernambuco por Manuel Arruda Câmara, é considerado a primeira loja maçônica. Reunindo lĂ­deres proeminentes da época, como os irmãos Arruda Câmara e Cavalcanti de Albuquerque, além de padres influentes, a loja foi uma célula-mãe com rito originĂĄrio da França, sem filiação a uma organização nacional. Sua localização estratégica na divisa entre Pernambuco e ParaĂ­ba facilitou a difusão dos princĂ­pios maçônicos. No entanto, a influĂȘncia do Areópago levou a intervenções do Poder Imperial, resultando em prisões de maçons em 1802.

Entre 1802 e 1817, diversas lojas maçônicas foram fundadas em Pernambuco, destacando-se a Academia de Suassuna, criada no engenho de Suassuna por Francisco Paula Cavalcanti de Albuquerque, conhecido como Coronel de Suassuna; a Academia ParaĂ­so, sob a direção do padre João Ribeiro Pessoa; e outras como a Oficina Igaraçu e a Universidade DemocrĂĄtica, lideradas por Antônio Carlos Ribeiro de Andrade. Essas oficinas contribuĂ­ram significativamente para divulgação dos ideais de independĂȘncia da metrópole portuguesa na região.

O fervor maçônico inspirou a Revolução Pernambucana de 1817, um movimento autonomista com ideais republicanos, reflexo de um forte sentimento nativista e separatista que permeava Pernambuco desde a expulsão dos holandeses em 1654. Em 6 de março de 1817, um grupo de revolucionĂĄrios tomou o poder da provĂ­ncia, proclamando a RepĂșblica separada do Brasil. No entanto, o novo regime durou apenas até maio, quando tropas portuguesas invadiram Recife para reprimir a insurreição. VĂĄrios lĂ­deres do movimento, todos maçons, como o padre Miguelito, foram fuzilados.

Embora o Grande Oriente do Brasil (GOB) apresente uma narrativa distinta, alegando que a Maçonaria teve inĂ­cio com a Loja Cavaleiros da Luz, criada em 1797 na Barra, em Salvador, Bahia, a Arte Real jĂĄ estava instalada no Brasil antes disso em Pernambuco. Enfim, longe dessas discussões, o fato é que o GOB foi fundado em 17 de junho de 1822, teve como lĂ­deres figuras proeminentes como José BonifĂĄcio de Andrada e Silva e Joaquim Gonçalves Ledo.

Naquele ano, a Maçonaria brasileira estava dividida em dois grandes grupos, ambos apoiando a IndependĂȘncia, mas com visões divergentes: o grupo liderado por Gonçalves Ledo defendia ideias republicanas, enquanto José BonifĂĄcio acreditava na manutenção de Dom Pedro como imperador sob um regime de monarquia constitucional. Essa rivalidade entre os grupos foi intensa, resultando em prisões, perseguições e exĂ­lios.

Dom Pedro, movido por interesse ou curiosidade, envolveu-se ativamente nas vertentes maçônicas. Nessas reuniões, ocorreram discussões cruciais, como a que levou ao Dia do Fico, em 9 de janeiro de 1822, à convocação da Assembleia Constituinte e à aclamação de Dom Pedro como "Defensor Perpétuo do Brasil". Ele teve uma rĂĄpida ascensão dentro da Maçonaria, sendo iniciado na loja "Comércio e Artes" em 2 de agosto de 1822, onde recebeu o nome simbólico de Guatimozin, em homenagem ao Ășltimo imperador asteca. TrĂȘs dias depois, foi promovido a Mestre Maçom e, em menos de dois meses, tornou-se Grão-Mestre. Em 20 de agosto de 1822, na loja "Comércio e Artes", no Rio de Janeiro, foi decidida a IndependĂȘncia do Brasil, a qual foi apresentada a Dom Pedro, que a proclamou em 7 de setembro de 1822, culminando em sua coroação como imperador em 12 de outubro daquele ano.

A contribuição da Maçonaria para a IndependĂȘncia do Brasil foi inegĂĄvel e expressiva. Em um cenĂĄrio polĂ­tico turbulento, essa sociedade, embora considerada secreta, desempenhou um papel vital na promoção das ideias emancipatórias.

JĂĄ no Segundo Reinado, a Guerra do Paraguai (1864-1870) constituiu o maior conflito armado da América do Sul, envolvendo o Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai. Durante o conflito, a liderança de LuĂ­s Alves de Lima e Silva, o Duque de Caxias, foi decisiva para a vitória das forças aliadas. Caxias, um dos maçons mais respeitados do Brasil, trouxe sua visão estratégica ao comando das tropas, especialmente na fase final da guerra contra Solano López, ditador paraguaio. Sob sua liderança, o Exército Brasileiro demonstrou resiliĂȘncia e se consolidou como potĂȘncia militar regional. Além de militar, Caxias, conhecido como o "Pacificador", garantiu a coesão interna do paĂ­s, fortalecendo sua soberania.

No século XIX, o GOB teve papel essencial na campanha pela abolição da escravatura. José do PatrocĂ­nio, um dos principais lĂ­deres abolicionistas e membro da Maçonaria, utilizou sua plataforma para denunciar a escravidão e mobilizar apoio à causa. A Maçonaria, fiel aos princĂ­pios de igualdade, arrecadou fundos para comprar cartas de alforria, ajudando a libertar inĂșmeros escravos. Essa atuação foi crucial para a assinatura da Lei Áurea em 13 de maio de 1888, consolidando a Maçonaria como defensora dos direitos humanos e da justiça social.

Outro momento significativo foi a Proclamação da RepĂșblica, em 15 de novembro de 1889, liderada por Marechal Deodoro da Fonseca, também maçom. Ele foi fundamental para a queda do Império e a instalação da RepĂșblica no Brasil. A Maçonaria, que jĂĄ defendia a RepĂșblica desde o inĂ­cio do século XIX, apoiou ativamente a transição para um governo mais democrĂĄtico e representativo, contando com outros lĂ­deres maçônicos como Benjamin Constant, reforçando seu papel na construção da nova ordem polĂ­tica.

No século XX, a Maçonaria continuou influente, apoiando a inclusão do voto feminino em 1932, uma vitória histórica para os direitos civis. A instituição também resistiu ao autoritarismo, posicionando-se contra o Estado Novo, sempre fiel aos seus ideais de liberdade e democracia. A Maçonaria se manteve relevante como uma força ética, promovendo justiça social e defendendo os direitos humanos em momentos crĂ­ticos da história do Brasil.

Em 1935, o Brasil vivia um perĂ­odo de grandes transformações polĂ­ticas e sociais. Duas correntes polĂ­ticas antagônicas emergiram: o Integralismo, de inspiração fascista, liderado por PlĂ­nio Salgado, e a Aliança Nacional Libertadora (ANL), de orientação comunista, com LuĂ­s Carlos Prestes como figura de destaque. Essas duas forças disputavam o controle ideológico e polĂ­tico do paĂ­s, polarizando setores da sociedade, inclusive os maçons.

Inicialmente, muitos maçons apoiaram a ANL, pois a Maçonaria, em sua essĂȘncia, defendia princĂ­pios de liberdade e igualdade, os quais ressoavam, em certa medida, com o discurso antifascista da Aliança. No entanto, a partir de 1935, especialmente após a Intentona Comunista em novembro daquele ano, a Maçonaria se afastou desse movimento. A Intentona, uma tentativa de insurreição comunista, foi duramente reprimida pelo governo de GetĂșlio Vargas, e os maçons, que também viam o materialismo histórico defendido pelos comunistas como uma ameaça aos seus ideais de espiritualidade e liberdade, começaram a adotar uma postura de neutralidade crĂ­tica.

As Lojas Maçônicas passaram a se posicionar contra tanto ao Integralismo quanto ao Comunismo. Os maçons, na época, consideravam que ambos os movimentos não representavam adequadamente seus valores, uma vez que careciam de uma defesa genuĂ­na das liberdades individuais e de um equilĂ­brio entre ordem e progresso, princĂ­pios fundamentais da Maçonaria.

O Governo Militar instaurado em 1964 marcou o inĂ­cio de um regime restrito no Brasil, apoiado por diversos setores da sociedade, incluindo a Maçonaria. O GOB, a mais antiga e influente instituição maçônica do paĂ­s, manifestou apoio ao Governo, motivado pelo temor do avanço comunista e pela busca de ordem e estabilidade em um cenĂĄrio polĂ­tico conturbado. Entre os integrantes da Maçonaria que se destacaram durante o Governo Militar estava o General EmĂ­lio Garrastazu Médici, presidente do Brasil de 1969 a 1974, também maçom, que simbolizava a estreita relação entre a Ordem e o Poder Militar.

Avançando para 2016, o Brasil vivia um clima de intensa polarização polĂ­tica e social. Um dos eventos mais emblemĂĄticos foi a passeata realizada em Copacabana, no Rio de Janeiro, em 31 de março de 2016. A manifestação, organizada por membros da Maçonaria em conjunto com outros grupos da sociedade civil, foi uma resposta à crise polĂ­tica e econômica que o paĂ­s enfrentava. Os participantes clamavam por "Fora, Dilma!", exigindo a destituição da presidente. Com milhares de pessoas nas ruas, a passeata se tornou um sĂ­mbolo da mobilização popular contra o governo. Esse movimento culminou no processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff.

Neste perĂ­odo, o GOB representou a posição da Maçonaria. O apoio pĂșblico ao impeachment refletiu o crescente descontentamento com a gestão de Dilma, que lidava com acusações de irregularidades fiscais e uma crise econômica em agravamento. Essa decisão levantou questões sobre a verdadeira natureza do compromisso da Maçonaria com os princĂ­pios democrĂĄticos e os direitos humanos, revelando as complexidades e contradições que permeiam sua história e atuação polĂ­tica.

O questionamento inicial retorna: a Maçonaria é liberal ou conservadora? A resposta é que ela não se enquadra em nenhuma dessas definições. A Maçonaria transcende ideologias, fundamentando-se nos princĂ­pios de liberdade, igualdade e fraternidade. A crença em Deus ocupa um lugar central, assim como a defesa intransigente dos direitos humanos e da famĂ­lia.

A Ordem se mantém em constante movimento, pois, em suas Lojas, homens de elevados valores morais buscam o bem da sociedade, sem se prenderem a partidos ou figuras polĂ­ticas.

Dessa forma, um maçom não deve se rotular como conservador ou liberal. O importante é ser reconhecido por seus irmãos como Maçom, e isso é o que realmente importa.

Francisco Maciel é Mestre Maçom

ReferĂȘncias

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ARAÚJO, Tiago Farias de. A Revolução Nativista de 1817 e os maçons. Escritos, v. 4, p. 34-49, 2021. DisponĂ­vel em: http://www.freemasons-freemasonry.com/2carvalho.html. Acesso em: 29 set. 2024.

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